“ROSE OF NEVADA” – Mar sem peixes [49 MICSP]
A ideia governante de ROSE OF NEVADA, apesar de clichê, é interessante e se articula bem com a forma atribuída ao longa. Entretanto, a preocupação com a forma é tão grande que o conteúdo é decepcionante. Rocambolesca e tediosa, sua trama obnubila as virtudes estéticas da obra.
Depois de 30 anos desaparecido, o barco Rose of Nevada reaparece misteriosamente no porto, mas sem a sua tripulação original. A comunidade local, que sofreu no período, tem esperança que o retorno do barco às atividades pesqueiras possa mudar a sua sorte. Para sustentar sua família, Nick aceita embarcar, assim como Liam, recém-chegado na localidade e desejoso de fugir de seu passado. Embora tenham sucesso na pescaria, o regresso traz uma surpresa: eles voltaram no tempo e agora são confundidos com os antigos tripulantes.

O diretor Mark Jenkin filmou “Rose of Nevada” com uma Bolex 16mm, o que se reflete em uma fotografia rara para produções hodiernas deste porte. A imagem granulada e a razão de aspecto reduzida (4:3) são elementos gráficos que auxiliam na transposição para o passado, tal como ocorre com a dupla principal. A mão pesada da direção de Jenkin é sentida também em diversos outros aspectos, como nos pouquíssimos movimentos de câmera (por exemplo, se o barco sai do campo, a câmera deixa de segui-lo e permanece filmando apenas o mar) e na trilha sonora que transmite ora naturalismo, ora estranhamento.
No primeiro caso, há um reflexo na montagem, dada a presença de muitos cortes secos e de cenas que poderiam ter uma decupagem mais tradicional. Exemplo disso é a cena em que Nick dá um chocolate para a filha e a mãe pega o chocolate para abri-lo e devolvê-lo à criança: há uma sequência de planos, com enquadramentos fechados, para mostrar toda a ação (ao passo que um plano mais aberto seria uma abordagem mais ortodoxa). No que se refere à trilha sonora, que foi construída integralmente na pós-produção, os ruídos irradiam naturalismo, como os sons de gaivota ou mesmo do mar e do vento, ao passo que a trilha musical faz sentir enorme estranhamento, quando não adota um ritmo que se parece com o badalar de um relógio. Dentre outros, esses são fatores que, na forma, simbolicamente traduzem o pretérito, seja no modo de filmar, seja nas sensações estimuladas. A direção realmente se empenha em articular a forma com a trama de retorno ao passado, outro exemplo que merece menção são os planos de objetos inanimados (árvores, redes, bolas de sinuca, portas etc.), que se assemelham a quadros de natureza-morta, cujo espírito, como se sabe, é justamente o de uma alegoria para a transitoriedade da vida.
No roteiro, porém, Jenkin não apresenta um trabalho de qualidade. O núcleo da trama, concernente à viagem no tempo, não é original, mas, se bem trabalhado, poderia ser bastante promissor, inclusive considerando que o viés adotado é mais próximo da fantasia do que da ficção científica. Não é um problema, ainda, que o script não se dê ao trabalho de explicar essa viagem no tempo, tendo em vista que a intenção é refletir sobre o tempo em si mesmo, sobre arrependimentos, culpa e a possibilidade de retificar o que foi feito outrora. É interessante, ademais, a forma como Nick (George MacKay) e Liam (Callum Turner) lidam com o ocorrido: enquanto aquele reage com repelência, este abraça tranquilamente as mudanças que lhe ocorrem envolvendo Tina (Rosalind Eleazar). Trata-se da diferença entre a perda, no caso de Nick, e do ganho, no caso de Liam (embora o roteiro tenha uma lacuna quanto ao backstory de Liam, que não precisava ser esclarecido por completo, mas poderia ter alguma informação, ainda que sutil).
O que é realmente problemático, porém, é o fato de que a narrativa não consegue ser envolvente, mas, pelo contrário, é repetitiva e progressivamente desinteressante. Paradoxalmente, o seu avanço é um não-avanço: a partir do primeiro retorno à terra de Nick e Liam, tudo é reiterado à exaustão, dos pesadelos de Nick à pesca da dupla, como se suas vidas entrassem em um loop. É verdade que isso poderia dialogar com a ideia governante, mas seria necessário um avanço mínimo para que a trama se tornasse envolvente. A expressão “não sair do lugar” serve perfeitamente a “Rose of Nevada”, o que reverbera em diversos âmbitos, notadamente nas atuações (MacKay e Turner repetem sempre as mesmas expressões, sem nuances) e no potencial narrativo de cativar (estimulando, pelo contrário, o desejo pelo seu término), ofuscando as virtudes inerentes à forma. O mar pode ser belo, mas, sem peixes, perde o seu encanto.
* Filme assistido durante a cobertura da 49ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).


Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.

