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“THE I-LAND” – Manual para série ruim

É possível extrair algum aprendizado de todo produto audiovisual. Podem ser experiências emocionais e intelectuais que justifiquem o poder da arte ou podem ser simplesmente demonstrações do que não fazer para criar uma obra de qualidade. A minissérie original Netflix THE I-LAND pertence ao segundo grupo, servindo didaticamente para os interessados em descobrir o que torna uma produção fracassada quanto à criação de universo, à dinâmica entre os personagens e à progressão narrativa. Uma sucessão imensa de equívocos em apenas sete episódios.  

Cartaz de “The I-Land

A tentativa é misturar suspense com ficção científica e, assim, criar diversos enigmas para o público desde a premissa: dez pessoas acordam em uma ilha deserta sem se lembrarem de como foram parar lá e quem são. Em uma das primeiras conversas especulativas sobre o que pode ter acontecido, elas passam a se chamar pelo nome impresso na etiqueta das roupas padronizadas que usam (Chase, Brody, Cooper, KC, Moses, Mason. Donovan, Blair, Taylor e Hayden). Enquanto precisam lutar pela sobrevivência em um local inóspito, a própria ilha lança desafios e obstáculos insólitos que colocam suas vidas em risco.  

A começar pelo universo diegético, a minissérie indica o primeiro elemento para qualquer insucesso artístico: falta de criatividade ao extremo. De maneira geral, os criadores Neil LaBute e Lucy Teitler se esforçam continuamente para fazer um novo “Lost” a partir dos muitos mistérios acumulados e das referências descaradas ao programa – o que poderia funcionar como easter egg ou alusões específicas logo se tornam cópias escancaradas e mal utilizadas, tais como a ilha misteriosa, o número repetido quase como um padrão místico, os flashbacks explicativos dos personagens, os animais assassinos, a existência de outros personagens em partes diferentes da ilha… Pontualmente, várias outras referências preenchem a narrativa com a única intenção de mostrar o conhecimento dos showrunners acerca da cultura literária e cinematográfica (“A ilha misteriosa” de Júlio Verne, “Admirável mundo novo” de Aldous Huxley e o filme “Bonnie e Clyde“).       

Além de empilhar incontáveis mistérios indiscriminadamente no primeiro episódio, outro aspecto para uma série ruim é precocemente apresentado: as problemáticas interações entre os personagens e suas próprias caracterizações. Os conflitos entre eles não são nada naturais e carecem de uma explicação plausível – as brigas entre Shane e KC, no primeiro momento em que se veem, acontecem sem nenhuma oposição real entre elas e Brody é colocado às pressas como vilão sem ser minimamente desenvolvido -; as pessoas aceitam muito rapidamente a situação em que estão, como se estivessem resignadas e acostumadas a algo rotineiro e não desesperadas e temerosas diante de uma situação limite – despreocupadamente, por exemplo, se atiram ao mar para nadar -; e os diálogos são inverossímeis e expositivos – a insistência em perguntarem entre si se lembravam-se de algo mesmo depois de todos já terem respondido negativamente a essa questão ou as reações incoerentes após uma tragédia sobre um dos personagens.

Quando o terceiro episódio chega, novas deficiências entram na cartilha da inferioridade. A narrativa passa por uma reviravolta que se pretende uma bela e inteligente sacada, mas que se revela discrepante e presunçosa ao dar uma roupagem tecnológica, filosófica e sociológica imatura aos conflitos dramáticos – o tom cartunesco salta aos olhos pela falta de estofo intelectual para lidar com temas complexos e por diálogos artificiais proferidos de modo robótico pelo elenco. O plot twist é ainda mais enfraquecido pelo estilo de filmagem dos diretores, que recorre a injustificadas composições de quadros com ângulos incomuns para a câmera (por exemplo, o enquadramento de uma discussão entre Shane e Brody por entre as árvores); os efeitos visuais precários nas cenas de ataque em alto mar e de apresentação de outras locações; e os exaustivos planos aéreos percorrendo as copas das árvores como estratégias de transição da montagem ou de estabelecimento da ação.

Os três episódios seguintes seguem a mesma tônica falha também integrante de um manual de séries ruins: o esgotamento precoce das possibilidades dramáticas evocadas pela reviravolta. A trama fica estagnada em razão de sua partilha em duas porções pouco compatíveis e articuladas, que tornam os personagens sempre passivos e reativos como se fossem incapazes de conduzir suas próprias histórias. O principal elemento que demonstra a fraqueza do desenvolvimento dos personagens são os flashbacks inseridos à narrativa com pouquíssimo sentido prático: as breves passagens de seus passados são desproporcionais (as trajetórias de vidas de alguns personagens recebem mais destaque que as de outros) e inaptos dramaturgicamente (tais recortes não elucidam quem são aquelas pessoas, não oferecem camadas às suas caracterizações nem explicam seus conflitos).

O entrelaçamento entre a dinâmica da ilha e a reviravolta do terceiro capítulo oferecem o último grande pecado da minissérie: a incapacidade de reunir diferentes elementos para organizar a estrutura narrativa e dar uma conclusão pertinente a ela. Diversas são as razões que explicam a inviabilidade de uma boa história ser contada e desenvolvida: diálogos expositivos que mastigam informações sobre aquele universo sem mostrá-las visualmente; a ausência de envolvimento emocional com os personagens, causada pela má utilização dos flashbacks e pela canastrice geral do elenco; a abundância de elipses que ocultam momentos importantes da narrativa, deixando o espectador perdido diante do que vê em tela; e a inabilidade para criação de clímax nos plot twists e no encerramento da produção, conseguindo a proeza de manter sempre a mesma energia monótona ao longo de toda a trama.

Seguindo passo a passo os itens de seu próprio manual para enfraquecer uma obra, “The I-Land” tem como única vantagem o fato de ser uma minissérie e, assim, não ter muitos episódios nem a perspectiva de mais uma temporada. Se por acaso uma nova leva de episódios fosse lançada, o risco de tentar copiar outras produções, de criar mistérios que não consegue dar conta e de falhas em tudo que tentasse seria imensamente alto. Ao menos, fica para a posterioridade o exemplo do que não fazer para se contar boas histórias.