“TIGER” – Intenções progressistas em um discurso reacionário [49 MICSP]
Em TIGER, os conflitos são de natureza variada, o que, em tese, é positivo. No entanto, o filme não consegue equilibrá-los e desenvolvê-los, além de desperdiçar potenciais subtramas. Ainda mais grave, suas intenções são distorcidas em um discurso que, na prática, é reacionário.
Taiga é um massagista gay de 35 anos cujo pai está idoso e doente. Para ajudar sua irmã, Minami, nos cuidados, ele sai de Tóquio e retorna à cidade natal. Chegando lá, quando o pai anuncia o desejo de adiantar a herança dos dois, Minami tenta pressioná-lo a abdicar desse direito.

O diretor e roteirista Anshul Chauhan atribui a Taiga (Takashi Kawaguchi) três tipos de conflito, sendo o primeiro deles interno. Taiga se sente solitário e, mesmo quando vai a locais em que o objetivo é essencialmente sexual, tenta criar uma conexão. Em uma dessas oportunidades, ele conhece um rapaz misterioso por quem se encanta e que retorna em outros momentos, mas cujo valor é meramente simbólico. Com visual de bad boy e olhar blasé, o filme cria a dúvida se o rapaz seria real ou uma miragem (ao menos quando retorna). De todo modo, ele parece a projeção de muitos anseios de Taiga, quiçá a chave para a sua felicidade, ao menos até ele descobrir que, se for uma projeção, é de si mesmo. O conflito interno está no vazio, isto é, na ausência de um companheiro de vida, de uma família, de acolhimento e da liberdade de ser quem é.
Seguindo essa linha de raciocínio, o roteiro, nos conflitos interpessoais, elabora novas projeções. Em determinado momento, Minami (Maho Nonami) deixa transparecer que inveja Taiga, uma vez que ficou na cidade enquanto o irmão foi “se divertir” em Tóquio (e o fato de ter ficado é um de seus argumentos para receber toda a herança). Por sua vez, Koji (Yûya Endô) é a tradução perfeita dessa mesma inveja. A irmã e o (agora) amigo, contudo, projetam uma realidade que não é a vivida por Taiga, como se ele tivesse a felicidade (leia-se, a liberdade) plena, que eles gostariam de ter. No passado, Koji projetou uma vida com Taiga; no presente, ele projeta a vida de Taiga como alguém completamente satisfeito pelo simples fato de não precisar ocultar a própria sexualidade. Para Koji, a felicidade, portanto, está no fato de não precisar esconder o fato de ser gay. Para Taiga, diferentemente, a felicidade está em constituir família, ainda que sob o véu de uma mentira.
É por isso que Taiga tem um terceiro conflito, de ordem externa, relativo à insuficiência da legislação japonesa quanto aos direitos LGBT+. Taiga se diverte com sua sobrinha, Kaede, projetando nela a filha que gostaria de ter. Posteriormente, porém, a trama toma um rumo inesperado e Taiga projeta a si mesmo na menina, recordando os momentos que viveu com a mãe – um subplot bastante artificial, subdesenvolvido e que serve apenas para justificar o valor afetivo da casa do pai para Taiga (algo que também é subdesenvolvido). Surgem, portanto, fios de trama que se tornam um emaranhado complexo e incompleto, ainda que com bons momentos. Com uma trilha musical tocante, o diretor molda cenas bem envolventes, como a que Taiga está de mãos dadas com Kaede e Koji na praia (provavelmente a mais bela). “Tiger” tem ideias muito boas, mas o excesso compromete o resultado. Por exemplo, a decisão de se tornar ator pornô, além de contraditória (já que o que ele quer é uma família), em nada agrega à narrativa. Da mesma forma, por que iniciar um processo de casamento arranjado já quando o filme se encaminha para o final (e o que é pior, sem terminá-lo)? Enquanto isso, existem subtramas que poderiam ser instigantes se adequadamente trabalhadas, como a de Taiga no trabalho de massagista e a relação com o cunhado. Benji (Kosei Kudo) seria um contraponto interessante que, todavia, recebe um destino que permitiria questionar se a visão do filme não reproduz os próprios preconceitos que denuncia, interpretação corroborada pela obsessão do protagonista por uma família tradicional. No caso do cunhado, uma lacuna no roteiro leva a crer que ele é gay, ainda que homofóbico (SPOILERS: como se não bastasse um diálogo suspeito com Taiga, o fato de encontrar as fotos de Taiga em um site de pornografia homoerótica o denuncia), o que é completamente negligenciado no script.
Na intenção de criticar o ordenamento jurídico japonês, que não ampara a comunidade LGBT+ em direitos que deveriam lhes ser concedidos, o filme acaba reproduzindo preconceitos e uma visão de mundo de superioridade da família tradicional que é lamentável.
* Filme assistido durante a cobertura da 49ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).


Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.

