“TORNIQUETE” – Uma coleção de signos sem seus referentes [14º ODC]
Em TORNIQUETE, o primeiro longa-metragem de Ana Catarina Lugarini, a imprecisão é assumida com orgulho — “o filme não precisa se explicar”, disse Marieta Severo na apresentação do filme, cujo nome no elenco tornou esta uma das mais esperadas estreias do festival. Praticamente não há lastros narrativo-psicológicos do passado das três personagens que acompanhamos – a Lucinda de Marieta, sua filha Sônia (Renata Grazzini), e sua neta Amanda (Sali Cimi) –, e somos assim jogados, quando Sônia e Amanda retornam a casa da matriarca nos primeiros minutos de filme, em um universo, a princípio intrigante, de gestos e olhares desencontrados. Mas o princípio dura pouco, muito pouco. Ao longo de seus 75 minutos, “Torniquete” vai se arrastando até a linha de chegada sob uma velha corda bamba, tentando a todo custo encontrar algum tipo de poesia no silêncio e no mistério, mas falhando enfaticamente.

O que temos em tela é um desfile incansável de signos. O primeiro é o dos assaltantes, da casa invadida, da violência externa, do perigo iminente invisível; logo, o principal, que é a ferida de Amanda, o corte em seu rosto que sangra ao longo de todo o filme. E ainda uma infinidade de outros: o dinheiro que Lucinda “esconde muito bem”, como ela diz algumas vezes, como se quisesse certificar de que entendemos; também o buraco escavado no quintal; ou as motos e as bicicletas. Muitos, como se vê, signos cansados, que já não aguentam mais ser conjurados por roteiros cinematográficos, e todos – e aqui reside o grande problema – desesperadamente carentes de referente. Conseguem ser, ao mesmo tempo, signos óbvios, batidos, e signos vazios, que para nada apontam.
Cada um desses elementos visuais guarda a promessa de decifração, mas acaba completamente diluído em impressões vagas, numa espécie de ciclo semiótico que gira em falso e acaba por não ter nada a dizer sobre as mulheres que sofrem em cena. Incapaz de cultivar conexão emocional genuína com suas personagens, no meio dessa não-dramaturgia o que restam são vislumbres de temas, relances de um filme que não se concretiza. A ferida, claro, significa Trauma, mas não o trauma de Amanda. O buraco no quintal enterra o Passado, mas não o passado de Lucinda. E assim o filme segue, meio perdido entre seus símbolos naufragados.
A ambição parece ter sido, de fato, a desse cinema de metáforas, de sugestões, em que o espectador fica incumbido de preencher as lacunas do drama. Até aí, tudo nos conformes. Mas ao abster-se de tanto, Lugarini quer apostar na universalidade, isto é, nas imagens que significam muito, talvez tudo, que abarquem mais de um sentido, mais de uma história, mais de um Trauma e mais de um Passado. O perigo dessa missão é evidente: é fácil tombar para o outro lado dessa linha extremamente tênue. Entre significar tudo e significar nada, basta um tropeço, e “Torniquete” dá alguns.

* Filme assistido durante a cobertura da 14ª edição do Olhar de Cinema de Curitiba (14th Curitiba Int’l Film Festival).