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“UM AMOR INESPERADO” – Simples, divertido e tocante [20 F. Rio]

Muitas comédias românticas lançadas no mercado investem em personagens jovens descobrindo a paixão e consolidando seu sentimento após alguns percalços. UM AMOR INESPERADO segue por outro caminho: o de pessoas experientes lidando com os desgastes de um relacionamento longo. O mérito dele não está em propor algo absolutamente original (afinal, outros filmes já construíram proposta semelhante), mas na execução simples e eficiente.

A história é centrada em Marcos e em Ana, casados há 25 anos. Quando o filho viaja para estudar fora do país, os problemas do casamento afloram e os dois decidem se divorciar. Porém, a vida de solteiro não é tão fácil quanto imaginavam. O filme, desde os primeiros minutos, já anuncia que os personagens são seu interesse maior, cabendo à linguagem cinematográfica desenvolver o roteiro e os arcos dos dois protagonistas – as primeiras sequências indicam uma estética discreta voltada para as atuações de Ricardo Darín e Mercedes Morán.

Nesse sentido, o entrosamento da dupla é fundamental. Os dois atores convencem como um casal de longa data, que conhece as virtudes, os defeitos e as especificidades um do outro e também nutre um afeto correspondido (apesar dos atritos surgidos no casamento). Além disso, entregam duas pessoas com personalidades muito bem definidas. Ricardo Darín constrói Marcos como um homem descontraído, que não leva a vida a sério demais e possui um humor ácido e irônico para qualquer ocasião; durante e após a separação, ele mostra também uma preocupação em jamais se acomodar em uma vida monótona e sem riscos. Já Mercedes Morán cria Ana como uma mulher muito inteligente (a parte pensante do casal) e extremamente dedicada e preocupada com o filho; ao longo do divórcio, ela é atormentada por temores quanto às incertezas do futuro e por uma sensação de vazio interior (a sequência em que toma o café da manhã sozinha em casa, após a viagem do filho e a ida do marido para o trabalho, é representativa dos seus sentimentos).

A partir das duas belas atuações principais, o filme pode desenvolver diversas questões relacionadas à vida a dois (tanto em relação aos percursos do casal quanto em relação à dimensão individual das duas pessoas). No primeiro ato, as sequências são construídas de modo a propor discussões e reflexões sobre questões universais, tais como o significado do casamento, a forma de se manter uma relação, os planos para o futuro, infidelidade, entre outras. Tudo começa com a cena da despedida do filho no aeroporto e avança pelos momentos em que os pais conversam com o filho por Skype, discutem entre si por razões banais (como o amplo conhecimento que Marcos tem sobre empanadas) e interagem com os amigos numa festa de aniversário de casamento.

A mesma simplicidade no retrato do cotidiano aparece na continuidade das vidas dos protagonistas após o divórcio. Eles tentam sair e namorar com outras pessoas, porém os desfechos são praticamente idênticos: inicialmente, se veem em situações absurdas e engraçadas (Marcos na companhia de uma mulher com grande libido sexual, e Ana, de um homem com estranhos fetiches) para, em seguida, enfrentarem dificuldades sérias de relacionamento com outras pessoas (por não conseguirem se acostumar aos hábitos e às esquisitices de novos parceiros nem compreenderem o motivo da separação). A montagem do filme destaca os paralelismos em que os dois se encontram, intercalando momentos muito semelhantes vividos por ambos e repetindo suas trajetórias na busca por novos relacionamentos.

O reconhecimento da força do elenco principal e do roteiro faz com que o diretor Juan Vera não queira chamar a atenção para a concepção narrativa e visual do filme. Ele faz questão de privilegiar os atores, portanto investe em planos longos, enquadramentos estáticos e diálogos filmados na lógica do plano e contraplano (recursos que, por vezes, dialogam com a experiência do teatro); até quando Marcos e Ana estão espacialmente distantes, há um esforço em colocá-los no mesmo enquadramento através da técnica do split screen (divisão da tela em mais de uma parte para mostrar eventos simultâneos em lugares distintos). O aspecto técnico que deixa a desejar é o tímido uso da quebra da quarta parede em poucos instantes – acaba sendo um recurso que perde a função pela pouca utilização e que desperdiça a chance de trabalhar os pontos de vista diferentes da mulher e do homem sobre o casamento.

O foco no desenvolvimento da história e dos personagens torna “Um amor inesperado” um belo exemplar de comédia romântica. Ao discutir o tema do amor entre pessoas mais experientes, o filme abre muitas possibilidades para se pensar o que é a paixão, como dividir tanto tempo junto com a mesma pessoa e como lidar com as angústias existenciais do envelhecimento. Tudo isso a partir de uma estrutura simples, divertida e tocante capaz de levar o público a sair da sessão com um sorriso no rosto e com bons sentimentos em seu interior.

*Filme assistido durante a cobertura da 20ª edição do Festival do Rio (20th Rio de Janeiro Int’l Film Festival).