“UMA BATALHA APÓS A OUTRA” – Brincar com coisa séria
De um lado, a mudança através da revolução, inclusive mediante o uso de armas. De outro, a manutenção do status quo com um imperativo segregacionista. Nas aparências, UMA BATALHA APÓS A OUTRA faz com que progressistas e conservadores sejam equiparados em seu radicalismo. Em uma camada mais profunda, contudo, o longa deixa transparecer sua visão sobre o lado da disputa que é pernicioso.
No passado, Bob fez parte do French 75, um grupo armado que lutava contra o sistema e desejava uma grande revolução. Hoje, sua preocupação é permanecer no anonimato, diante dos crimes que perpetrou, e garantir a segurança de sua filha Willa, que pode sofrer em razão do histórico paterno. A segurança dos dois é ameaçada quando um inimigo antigo passa a persegui-los.

O ritmo com que o diretor Paul Thomas Anderson move a narrativa é bastante irregular, parecendo uma viagem através do tempo e do espaço mediante saltos abruptos. Esses saltos combinam com o thriller político e de perseguição, além de serem necessários para explicar a trama. O prólogo consiste em uma operação do French 75, como uma apresentação ao espectador do modus operandi do grupo e da dinâmica da dupla inicialmente principal, Perfidia (Teyana Taylor) e Bob (Leonardo DiCaprio). No primeiro ato, Perfidia é personagem central na medida em que interage com o Coronel (à época, Capitão) Steven J. Lockjaw (Sean Penn), interação que justifica as atividades posteriores do vilão ao perseguir a filha do casal. O primeiro ato foca, inicialmente, nas ações do grupo, para, depois, estabelecer uma articulação familiar disfuncional entre o casal e a filha. Dali em diante, a obra se transforma em um filme de perseguição que alia tensão e humor. O trio faz um ótimo trabalho, assim como Chase Infiniti, que vive Willa, e Benicio Del Toro, que interpreta o sensei Sergio St. Carlos.
Perfidia é uma mulher concebida em um contexto revolucionário (considerando o que é dito sobre a sua família) e que se excita (literal e metaforicamente) com a luta armada, não se empolgando, todavia, com a vida familiar (em especial com o papel materno). A juventude de Bob é pouco explorada, mas sua idade madura revela um homem assombrado pelo passado e que precisa ser tutelado pela própria filha adolescente. Willa também é uma personagem que cresce com o desenvolvimento da narrativa, demonstrando, no subtexto, uma valorização e mesmo uma admiração de tudo o que ela representa (mulher, negra, jovem e progressista). É importante perceber que, por trás do drama familiar, está uma personagem forte que representa uma minoria, ao passo que aqueles que representam a maioria (inclusive seu pai, homem, branco e mais velho) corporificam alguma forma de tibieza. Esse é também o caso de Lockjaw, cuja atuação soberba de Penn engrandece ainda mais a fragilidade de alguém que orgulhosamente se filia a um grupo reacionário, a despeito da própria hipocrisia.
Embora o diretor faça piada com Bob (que, de roupão vermelho xadrez e constantemente sob efeito de drogas ou álcool, ingressa em uma perseguição para a qual não parece estar preparado, o que se confirma pela ajuda que recebe), Lockjaw e seu grupo são muito mais ridicularizados através de uma sátira social sobre pessoas reacionárias. Não há equivalência entre os grupos: Bob é um herói que lutou para defender os mais vulneráveis, cuja “aposentadoria” não é à toa, ao passo que Lockjaw é um supremacista hipócrita cujo próprio figurino já escancara a fragilidade (como Willa percebe). Enquanto um lado trabalha ajudando uns aos outros, o lado oposto se destrói entre si.
Apesar de a base de “Uma batalha após a outra” ser o livro “Vineland”, de Thomas Pynchon, de 1990, a adaptação que Thomas Anderson faz é para um contexto de uma política que demoniza os imigrantes e de uma parcela social supremacista, algo deveras contemporâneo. Impulsionado pelo drama familiar, abrandado pelo humor da sátira e conduzido através de uma narrativa de thriller, o script atenua a contundência de seu discurso, como se, no dizer popular, “brincasse com coisa séria”. Na prática, as ideias abomináveis de Lockjaw e seu grupo são relativamente amenizadas ou obnubiladas ora pela ação, ora pela comédia, como se o vilão fosse apenas patético (olvidando o perigo que ele de fato representa, uma vez que nunca é tratado com a seriedade devida). Algumas cenas são brilhantes, como o prólogo, a perseguição de carro no deserto (em que as colinas transmitem uma sensação nauseante memorável) e as fugas de modo geral (no túnel, nos telhados), mas o poder deletério do extremismo reacionário é consideravelmente mitigado, certamente sem a intenção de fazê-lo. Não obstante, como produção, trata-se de um grande filme.


Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.

