Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

“UMA DOBRA NO TEMPO” – A mágica de uma fábula infanto-juvenil

Engajado na pauta da representatividade, com uma mensagem edificante, um design de produção fenomenal e efeitos visuais muito bons, UMA DOBRA NO TEMPO é um exemplar legítimo da Disney, em especial se ignorados os defeitos da produção.

No longa, um cientista da NASA, dr. Alex Murry, desaparece misteriosamente, largando sua esposa (dra. Kate Murry) e seus filhos (Meg e Charles Wallace). Passados quatro anos, Meg e Charles têm a oportunidade de ir atrás de seu pai através de uma jornada fantástica, guiada por três seres mágicos.

Aliás, magia é a palavra que mais se associa à película. O plot vai criando uma mitologia muito própria: neologismos como o verbo “tesserar”, substantivos próprios bem inventivos (como Sra. Queé), fauna e flora como nunca antes vistas e assim por diante. A mágica está presente também na trilha sonora, como na canção “Magic”, da Sia, e em “I believe”, de Demi Lovato e DJ Khaled (música-tema). A trilha segue o raciocínio implícito da representatividade, já que é composta majoritariamente por músicas do germano-iraniano Ramin Djawadi, além de algumas cantoras femininas – além das já citadas, a nigeriana Sade Adu.

No elenco não é diferente: as personagens masculinas têm menor relevância (o dr. Murry de Chris Pine serve quase que exclusivamente para o argumento), tendo participação muito maior as três senhoras que ajudam Meg na busca pelo pai – uma delas é negra (Oprah Winfrey), enquanto a outra é descendente de indianos (Mindy Kaling). Winfrey interpreta a Sra. Qual, fazendo uma entrada triunfante, como se fosse uma divindade (em especial pelo leve eco na voz e pelo corpo grande e espectral). É tocante a cena com narração voice over da sua voz explicando o mal da humanidade. Kaling, porém, é uma Sra. Quem muito menos interessante ao falar através de paráfrases – exceto em momentos de conveniência, abusando da suspensão da descrença que o filme propõe. Sua única fala mais chamativa é a citação de Rumi, pensador persa: “é pela ferida que a luz entra em você”. Assim como mágica, luz e escuridão são elementos fundamentais na película.

Enfocando na perfeição da imperfeição, ensinando muito sobre o amor (tanto o amor ao próximo como o amor próprio), além das prioridades na vida (família antes do trabalho), é usada uma linguagem bem acessível ao público infanto-juvenil. Não se ignoram as falhas do roteiro: o desfecho é, concomitantemente, piegas (olhando rigidamente, não apenas o desfecho) e megalomaníaco (a protagonista é comparada à Marie Curie!); havendo cenas sem utilidade (a primeira aparição da Sra. Queé coloca a personagem falando muito sem dizer nada) e até mesmo uma personagem sem utilidade – Levi Miller encontra em Calvin um papel sem propósito narrativo, servindo apenas para um romance exageradamente pudico. Contudo, a protagonista é encantadora, sendo Storm Reid bastante convincente como Meg. Ela é, ao menos no início, antipática e teimosa, o que é necessário para fazer sentido na trama, particularmente para demonstrar a sua evolução pessoal, sendo ela a corporificação da mensagem do longa. Não é por outras razões que a Sra. Queé (Reese Whiterspoon, claramente se divertindo) é descrente na “problemática e confusa Meg”. Muito mais carismático é Charles Wallace, seu irmão, vivido por Deric McCabe.

É curioso ver Ava DuVernay dirigindo um feel good movie de fantasia, ainda mais depois de dois filmes realistas, sérios e tristes (“Selma – Uma luta pela igualdade” e “A 13ª emenda”). No visual, a película é quase impecável, com um CGI de primeira qualidade (em alguns momentos, semelhante a “Avatar”), principalmente no primeiro planeta e na “bolha” branca do arco final. Com muitas cores e um exemplar trabalho de iluminação (ao menos para a proposta), o design de produção é espetacular, com uma fotografia também elogiável (percebe-se um escurecimento dos planos nos momentos certos). Todavia, a pouca profundidade de campo prejudica o 3D, que acaba sendo bem dispensável.

É evidente que “Uma dobra no tempo” não é exatamente o que há de melhor na sétima arte. É apenas uma fábula voltada ao público infanto-juvenil que, enquanto tal, faz a mágica acontecer. Isso lhe basta.