“KARATÊ KID: LENDAS” – O propósito de lutar
Nem sempre o significado de um ato é o seu conteúdo, pois o seu propósito pode ser ainda mais importante. Essa ideia está presente desde “Karatê Kid: a hora da verdade”, de 1984, e prosseguiu ao longo da franquia – isto é, nos longas da década de 1980 protagonizados por Daniel-san (“Karatê Kid 2: a hora da verdade continua”, de 1986, e “Karatê Kid 3: o desafio final”, de 1989), na série animada de 1989 (“The Karatê Kid”), na continuação com outra protagonista (“Karatê Kid 4: a nova aventura”, de 1994), no remake de 2010 (“Karatê Kid”), na série spin-off “Cobra Kai” (com seis temporadas, entre 2018 e 2025) e, enfim, em KARATÊ KID: LENDAS, de 2025. No fundo, a história é mais ou menos a mesma sempre, o que muda é como ela é desenvolvida.
Li Fong se muda de Pequim para Nova Iorque para começar uma nova vida, agora sem lutar, conforme pedido pela sua mãe. Porém, não demora para ele se envolver com um valentão que pratica artes marciais e parece ser muito mais forte. Para lutar contra ele, além de continuar o treino de kung fu com o sr. Han, será necessário aprender caratê, e o melhor sensei é ninguém menos que Daniel LaRusso, aluno do falecido sr. Miyagi, amigo do sr. Han.

Não se pode negar que, do ponto de vista estrutural, o roteiro de Rob Lieber não diverge substancialmente daquele do longa de 1984, repetido, em maior ou menor medida, nas outras obras da franquia. De modo geral, os elementos são: o adolescente frágil, a garota por quem ele se apaixona, o valentão que serve de obstáculo, duas visões distintas sobre a luta, treinos árduos e um golpe incrível ao final. Em “Lendas”, porém, alguns deles recebem novas camadas.
O adolescente frágil é Li Fong (Ben Wang), um jovem cuja maior vulnerabilidade não é física (pois ele sabe lutar kung fu), mas psicológica, em razão de um trauma familiar (o bullying tem menor espaço). À garota adiciona-se uma personagem interessante, que é Victor (Joshua Jackson), seu pai, que estabelece uma relação horizontal com Li (não é uma figura de autoridade ou sabedoria) e ganha um arco próprio que agrega à narrativa principal. O valentão não se destaca, mas o golpe final não ocorre da maneira óbvia que se espera. Quanto às lutas, o roteiro faz um inteligente entrelaçamento entre os filmes de 1984 e 2010, relacionando o sr. Miyagi e o sr. Han com um backstory apresentado no prólogo, e também associando seus estilos de luta (o caratê e o kung fu, respectivamente) como parentes próximos. De fato, a filosofia das duas modalidades é a mesma, enxergando na luta um propósito maior que simplesmente lutar, concedendo-lhe um sentido que não seja a agressão de outrem, mas a defesa e a autossuperação.
Tampouco se pode negar que a produção é fartamente impulsionada pela nostalgia; não por outra razão, o falecido Pat Morita faz uma breve participação (através de IA), assim como Ralph Macchio, com a diferença que apenas o segundo consta na publicidade do filme, atribuindo-lhe mais relevância do que de fato possui (justamente para atrair o público). Não é o mesmo o caso de Jackie Chan, uma vez que o sr. Han assume o arquétipo do sábio por força de uma relação próxima com Li, chegando a afirmar que o garoto é para ele o que Daniel foi para o sr. Miyagi. Essa noção é articulada até mesmo nas cenas de luta, uma vez que o kung fu praticado por Li é muito similar ao apresentado por Chan em todos os seus filmes, leia-se, com um estilo irreverente, inusitado, surpreendente e atrapalhado, mas sempre eficaz.
Nem todas as cenas de luta são bem filmadas, porquanto Jonathan Entwistle parece ter mais facilidade na aceleração das cenas do que no foco em uma cena mais longa. O diretor apresenta um filme dinâmico, com uma trilha musical enérgica e uma montagem rápida, com uso de ferramentas que ajudam a imprimir esse ritmo veloz (como split screen, sequências elípticas, animação marcando o tempo e os pontos de luta etc.). Quando é necessário elaborar uma cena cuja essência é movimentada, mas que demanda uma decupagem mais cuidadosa, o trabalho eventualmente deixa a desejar, como na luta que ocorre em um beco escuro.
Existem problemas, portanto, em “Karatê Kid: lendas”. É inverossímil, por exemplo, a maneira como a mãe de Li (Ming-Na Wen) e Mia (Sadie Stanley) mudam de ideia sem a necessidade de um esforço de persuasão (enquanto diálogos de poucos minutos resolveriam isso). Entretanto, o longa não apenas corrobora a lição principal da franquia (e, a rigor, da maioria dos filmes de luta), mas a eleva a um patamar de fundamentalidade capaz de demonstrar que todo o resto é supérfluo. Evidentemente, a luta – seja boxe, caratê ou kung fu – não vai resolver todos os problemas de alguém. Não é possível controlar quando a vida derrubará uma pessoa. O que é possível controlar, todavia, é quando e como se levantar, e nisso a luta pode ser de grande valia.


Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.