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“A FELICIDADE DAS PEQUENAS COISAS” – O epicurismo ainda vive

Com o fajuto nome nacional A FELICIDADE DAS PEQUENAS COISAS, a obra butanesa “Lunana: a yak in the classroom” (em tradução livre, “Lunana: um iaque na sala de aula”) é como um portal para uma realidade epicurista muito distante daquela que o ocidente conhece. A mera viagem ao desconhecido já torna o filme, no mínimo, culturalmente enriquecedor.

Ugyen é um jovem professor que mora na capital butanesa com sua avó enquanto dá aulas em escolas públicas. Seu real interesse, contudo, não é permanecer trabalhando para o governo como professor, mas conseguir um visto para se mudar para a Austrália.

(© Pandora Filmes / Divulgação)

Dirigido e roteirizado por Pawo Choyning Dorji, a base do longa é essencialmente epicurista. A escola filosófica helenística valorizava em especial a ataraxia, que significa a ausência de perturbação. Não há lugar mais pacato que a aldeia onde Ugyen vai trabalhar. Em meio a uma fotografia deslumbrante, com lindas paisagens montanhosas, a paz encontrada em Lunana é simplesmente ignorada pelo protagonista. No local, não há razão para estresse e as pessoas convivem tranquilamente sem grandes anseios. Saldon (Kelden Lhamo Gurung), a melhor cantora da aldeia, se satisfaz ao cantar em frente às montanhas oferecendo sua voz aos espíritos que lá se encontram (leia-se, sem almejar tornar-se uma cantora profissional). Não há grandes ambições, a ataraxia geralmente encontrada pelos aldeões os traz felicidade.

Na camiseta usada por Ugyen – este interpretado pelo competente Sherab Dorji – está escrito “felicidade interna bruta”, porém a expressão representa um programa, não o estado de espírito do professor. Seu corpo está no Butão; sua mente, na Austrália. Sua chefe percebe sua desmotivação, de modo que ele cria uma imagem, possivelmente equivocada, de que em território australiano seria feliz. Se ele não estava satisfeito na capital butanesa, quando é designado para dar aulas na “escola mais remota do Butão”, o descontentamento é ainda maior.

Lunana é de fato uma aldeia em um local remoto, tanto que no inverno, quando neva, ela fica completamente isolada. Tudo lá é diferente do que aquilo com que Ugyen está acostumado: não há papel higiênico ou escova de dentes, raramente equipamentos elétricos podem ser utilizados e as fezes de iaque têm uma inesperada serventia. A aldeia parece um mundo à parte, é um local onde os adultos não sabem o que é aquecimento global e as crianças não sabem o que é um carro. A influência do ocidente existe no Butão, como em frases esparsas em inglês e a venda de um produto supostamente relacionado ao astro Brad Pitt. Mas ela é muito menos intensa, quiçá nula, em Lunana.

A chegada do professor é encarada com empolgação por um motivo bastante nobre: a educação é vista como uma atividade a ser reverenciada. Mesmo jovem, Ugyen é chamado de senhor; tudo o que ele precisa (e que é possível do ponto de vista prático) lhe é fornecido. Na visão dos aldeões, o professor é aquele que “pode tocar o futuro”, já que orienta as novas gerações. É bonito ver o quanto o ensino é bem quisto, sobretudo considerando a indiferença do próprio mestre, que não tem ânimo para ensinar.

Existe no filme uma crítica à contemporaneidade em dois aspectos. No primeiro, é reprovado o estilo de vida “conectivo” seguido por Ugyen (antipático, quando conectado, ele ignora tudo o que se passa ao seu redor). No segundo, a avó do protagonista reclama que o padrão de beleza masculina atual é “raquítico”, distinto daquele de sua época. Existe inteligência no texto do filme, porém ela é relativamente modesta e ofuscada por uma narrativa consideravelmente pobre. O arco narrativo de Ugyen é completamente previsível, o que empalidece a sua trajetória e prejudica até mesmo a ideia governante da obra. Como resultado, o longa perde ritmo quando cessam as novidades, isto é, ele é muito mais interessante enquanto aquela realidade paralela é desconhecida.

As falhas de “Lunana: a yak in the classroom” certamente não o tornam uma perda de tempo. Considerando que o filme retrata algo majoritariamente distante no lado ocidental, há um enriquecimento cultural digno de nota. É também positivo ver que o epicurismo ainda vive na prática. Porém, se não fosse tão ortodoxo em sua narrativa, o simpático longa seria muito melhor.