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“A LAVANDERIA” – Quero ser Adam McKay

Mirando em filmes como “A grande aposta” (principalmente) e “Vice”, A LAVANDERIA tenta ser cool em sua linguagem, todavia resulta em um desperdício colossal de um elenco qualificado e de um enredo atrativo. Tinha tudo para ser bom, mas é muito ruim.

Trata-se dos bastidores do escândalo Mossack Fonseca (ou dos “Panama papers”), a história de uma viúva que investiga um calote do qual é vítima, mas que acaba descobrindo o esquema fraudulento. Os responsáveis são Jürgen Mossack e Ramón Fonseca, advogados que, no Panamá, abriram contas offshore (na prática, eram paraísos fiscais onde ocultavam dinheiro) e administravam empresas de fachada lucrando às custas do sistema financeiro e de brechas legais. Com a ineficácia estatal, Ellen não aceita ficar sem a indenização pelo falecimento do marido Joe em um acidente.

Cartaz de “A lavanderia

Baseado no livro de Jake Bernstein, o roteiro de Scott Z. Burns é extremamente problemático. Se de um lado isso causa surpresa, visto que seu histórico conta com textos, no mínimo, razoáveis – como “O ultimato Bourne”, “Contágio” e “O relatório” (este com crítica no site – clique aqui para ler) -, de outro, o fato de basear-se em uma obra literária pode explicar os equívocos. Em síntese, a linguagem literária é muito diferente da cinematográfica, o que faz com que bons roteiristas escrevam roteiros ruins por não saber traduzir um livro em um script.

Narrativamente, o texto é caótico porque não consegue ao menos ter foco. Ao invés de dar um arco dramático a Ellen, deixam para a atriz que a interpreta a função de dar profundidade à personagem. Ainda que essa atriz seja Meryl Streep, nem ela é capaz de ultrapassar a barreira intransponível de um roteiro ruim. Apesar disso, ela consegue brilhar em pequenos momentos, como quando Ellen conta aos netos como conheceu o marido, bem como no desfecho – este merece um parágrafo à parte.

No caso das outras personagens principais, Gary Oldman como Mossack e Antonio Banderas como Fonseca se prestam a papéis risíveis. Ainda que o filme seja uma comédia, nesse caso, o adjetivo risível não é elogio: os advogados não participam da narrativa propriamente dita, eles compõem a trama externamente a ela, de modo que Oldman e Banderas desfilam pela tela para fazer interrupções e explicações inoportunas e/ou inócuas. Inoportunas, porque apenas tornam o longa mais confuso e sem foco. Inócuas, pois não conseguem explicar de maneira didática o complexo golpe orquestrado pelos advogados. Um espectador que não conhece nada da história real provavelmente ficará perdido.

Além disso, Mossack e Fonseca, considerando que são externos à narrativa, não têm arco dramático. Streep não consegue dar uma dramaticidade sólida a Ellen, dado que o roteiro não permite. No caso de Banderas e Oldman, caberia o humor, porém o lado cômico do texto é, na melhor das hipóteses, modestíssimo. De certa forma, isso faz sentido, já que, estruturalmente, o roteiro é um caos (por exemplo, ao adentrar em um subplot descartável de suborno de um pai em relação à filha, que não é nem caso isolado de narrativa dentro da narrativa). Talvez cause alguma emoção ao mencionar nomes brasileiros conhecidos, como Odebrecht, mas certamente é por fatores alheios às qualidades cinematográficas de “A lavanderia”.

A sorte de Steven Soderbergh é que a produção não é seu primeiro trabalho – talvez não seja sequer o pior, mas ficar abaixo de “Magic Mike” (tendo três atores de primeiro nível no elenco!) é vexatório para quem já dirigiu o remake de “Onze homens e um segredo” (e suas continuações). Se fosse a estreia, talvez sua carreira se encerrasse precocemente. O cineasta parece um estudante ávido por mostrar as técnicas que admira (ou talvez o diretor que admira, como Adam McKay) e usa recursos estilísticos heterodoxos que até poderiam ter funcionalidade, desde que bem utilizados (o que claramente não é o caso). Lente grande angular, quebra da quarta parede, narração voice over, recortes de noticiários, divisão em capítulos, animações… uma mistura de ferramentas que, somadas, vão tornando o filme cada vez pior. Soderbergh não é McKay (mas, pelo visto, quer ser), não conseguindo dirigir como ele, usando recursos específicos sem critério algum.

Impressiona a má qualidade de todos os aspectos da direção. Talvez nem um estudante teria feito algo tão bagunçado. Na mise en scène, por exemplo, as crianças (netos de Ellen) são utilizados como objetos cenográficos: em um minuto, “vão colocar a roupa de natação”, no minuto seguinte, “venham aqui”, algo mais artificial que uma ilusão de ótica (já que esta ao menos consegue enganar). O VFX é amador; a montagem, desastrosa.

Por que então “A lavanderia” merece duas estrelas? Uma vai para a figurinista Ellen Mirojnick, que se esmera para dar personalidade a Ellen, Jürgen e Ramón. A primeira tem agasalhos de nylon como vestuário principal, quase sempre na cor azul celeste, aparecendo o vermelho, porém, em duas cenas que destoam das demais – uma é a já mencionada, em que ela fala com os netos; outra, um sonho de agressividade que não combina com seu perfil. Os advogados variam bastante as roupas que usam, mas sempre elegantes (até mesmo smokings), bem diferentes da viúva. A segunda estrela vai para o trio principal do elenco, cujo carisma quase torna o filme apenas fraco. Eles devem ter assinado por indicação do agente, sem ler o roteiro. Só isso explica.