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“AMOR, SUBLIME AMOR” (1961) – Romance, sublime musical

Entre 1591 e 1595, William Shakespeare escreveu “Romeu e Julieta”, tragédia que acabou sendo uma das suas mais famosas de todos os tempos. De um lado, a família Montecchio, de outro, os Capuleto, dois clãs que se odeiam. Porém, Romeu, pertencente ao primeiro, e Julieta, ao segundo, se apaixonam, amor consagrado episodicamente com a ajuda de Frei Lourenço – isso enquanto os familiares não descobrirem, é claro. AMOR, SUBLIME AMOR, de 1961, bebe dessa fonte e a ela acrescenta elementos que muito lhe agregam, alcançando um resultado, de fato, sublime.

Na Nova York da década de 1960, no lado oeste, ofuscados pelos arranha-céus, ficam os guetos de imigrantes e classes desfavorecidas. A gangue dos Jets está acostumada a mandar na região, expulsando qualquer grupo que queira seu território. Quando chegam os porto-riquenhos Sharks, uma nova guerra pela área se anuncia. Tudo se complica quando Tony, antigo líder e fundador dos Jets, se apaixona e é correspondido por Maria, a irmã do líder dos Sharks.

(© Fox Film do Brasil / Divulgação)

A abertura do longa dirigido por Jerome Robbins e Robert Wise é heterodoxa: longos minutos de uma tela estática do ponto de vista gráfico, com uma imagem que parece uma sequência de “riscos” sem sentido. A cor da imagem muda, variando entre cores quentes, mas os “riscos” não se alteram. A música instrumental perpassa a trilha do filme, como se fosse uma prévia do musical prestes a começar. Quando a tela muda para uma cor fria, o azul, aparece o título do longa e os “riscos” passam a fazer sentido. Segue-se a essa sequência quase de arte abstrata outra sequência, de planos aéreos de Nova York, mostrando os estádios, viadutos, praças, avenidas e incontáveis prédios, para aí sim localizar a região em que se encontram as marginalizadas personagens da película.

Com um estilo um pouco James Dean, primeiro os Jets se exibem, com toda a pompa e sentindo-se senhores das ruas. Há uma sensação de pertencimento ao grupo que é bastante ressaltada, como na canção “Jet song” ou quando Riff fala para Tony que, “sem a gangue, você é um órfão”. De maneira animalesca, os dois grupos precisam marcar território, pichando paredes com os nomes das gangues, quando não marcam os próprios nomes (“Nardo” escrito na parede do terraço). A despeito do ódio mútuo, existe um ódio ainda mais forte, capaz de unir Jets e Sharks: aquele contra a polícia. O tenente Schrank, com seus métodos provocativos questionáveis, é alvo de desprezo e inimizade dos garotos, enquanto o guarda Krupke é objeto de piadas jocosas. Jets e Sharks podem ser inimigos mortais, mas são inimigos em seus próprios termos, não querem que terceiros imponham nada contra si.

No meio desse fogo cruzado estão Tony e Maria. Richard Beymer transmite no olhar e no sorriso enorme passionalidade de Tony desde sua primeira canção, quando está empolgado com o porvir sem sequer saber em que ele consiste. Natalie Wood compreende que Maria não tem a mesma doçura, razão pela qual sua primeira aparição é um início de confronto com a Anita de Rita Moreno – que, naquele momento, ele não fazia ideia que exerceria, em parte, uma função de Frei Lourenço. Maria quer independência de seu irmão Bernardo (George Chakiris), por isso não aceita que ele decida como será o vestido que vai usar no baile. É com o baile, na ótica dela, que ela “começa a sua vida como uma jovem na América”. Anita concorda: “ela é americana agora”. A resposta de Bernardo é peremptória: “Porto Rico é na América agora”. O grupo pode ter saído de seu país de origem, mas seu país de origem não saiu do grupo.

Essa última conclusão é resultado não da vontade de Bernardo, mas da cultura do país em que passaram a viver. De maneira ousada, a música “America” faz críticas extremamente ácidas à falsidade da venda do american way of life aos imigrantes: cobram duas vezes ao olhar para eles; a vida é boa se você é branco; você é livre e tem orgulho enquanto ficar do seu próprio lado etc. A cena do baile é outra que dá um exemplo claro de quão grave era a segregação dos imigrantes. Os Jets não gostam dos Sharks porque querem o território para si, é verdade. Mas é evidente que há uma razão a mais: xenofobia. Para 1961, certamente o filme estava à frente de seu tempo, basta atentar para a personagem Anybodys (Susan Oakes), com sugestões bastante claras de que se trata de um menino trans (pelo vestuário que usa, pela recusa em se vestir como menina, pela revolta no tratamento como menina e pela alegria ao ser chamado de menino por Daddy-O).

Os diretores foram muito criativos nos efeitos da época: Maria gira com seu vestido e, segundos depois, começa o baile. Quando o casal principal se encontra, tudo ao redor fica embaçado, como se estivessem em um mundo à parte – o diálogo entre os dois, por sinal, é uma cena terna e delicada. As cenas de romance são, em geral, encantadoras. Quanto às canções, destacam-se “Maria” e “I feel pretty”, seguidas de “America” e “Tonight”. As coreografias são muito boas, principalmente pelo elegante uso de passos de balé, o que se dá até mesmo em cenas de luta, sincronizadas com as músicas. Na fotografia, o uso de cores quentes é encantador, em especial a cor vermelha, o que dá ao longa um duplo simbolismo. De um lado, seu elemento romântico: no baile, as paredes são vermelhas, já que é lá que Tony e Maria vão se encontrar (e será amor à primeira vista). De outro, seu elemento beligerante: no “dia D”, o amanhecer rubro anunciando que tristezas se anunciam.“Amor, sublime amor” poderia ser um pouco mais curto. A cena em que é cantada “Cool”, por exemplo, pouco agrega ao longa e o torna mais cansativo, dando espaço a personagens absolutamente irrelevantes com uma música ruim. Por outro lado, o clímax é explosivo na tensão e o desfecho consegue ser emocionante até o minuto final. Dentre os musicais, é um dos maiores. Dentre os romances, é um dos maiores. É um filme realmente sublime.