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Animações: “ao infinito e além”

Homem-Aranha no Aranhaverso” pode representar um primeiro passo em direção ao futuro da animação. Não se limitando apenas às adaptações de HQ’s, nem à temática do herói, o filme é uma somatória de elementos artísticos e narrativos que fazem da obra uma das mais relevantes no cenário atual. O mais interessante é observar como o filme chega sem querer reinventar uma arte que nasceu praticamente junto com o cinema. mas que remodela o que vem funcionando e adiciona pequenos toques de brilhantismo. Para entender como o cinema chegou nesse momento, é importante conhecer alguns episódios importantes da animação ao longo das décadas.

Como muito do que foi criado no cinema dos últimos anos do século XIX, existem poucos registros do que foi produzido de maneira animada naquela época. Contudo, um nome se resiste ao esquecimento: J. Stuart Blackton. Um dos primeiros a tentar utilizar a técnica do desenho no cinema, ele lança em 1900 um curta chamado “O Desenho Encantado”. Embora seja de conhecimento histórico que suas obras anteriores já abraçam o formato, uma considerável parte de seu trabalho foi perdida com o tempo, tendo “O Desenho Encantado” se tornando o registro mais antigo que se tem. Uma mistura de live action com um rudimentar estilo de animação, o longa inovou e inspirou uma enorme quantidade de realizadores nos anos seguintes.

Com o tempo, esse recurso foi ganhando cada vez mais atenção dos realizadores e tornando-se mais complexo. E quem surge como o responsável pela primeira animação totalmente desenhada e exibida quadro a quadro é o francês Émile Cohl com o curta “Fantasmagorie” (1908). Como o próprio cinema da época, tudo era muito simples, embora criativo. A ausência de tecnologia era recompensada com um experimentalismo típico dos primeiros anos do cinema.

E, como tudo no cinema caminhava junto, uma década após o primeiro longa metragem ser lançado (“The Story of the Kelly Gang” [1906])¹, o argentino “El apóstol” (1917) chega aos cinemas como o primeiro longa metragem animado (novamente, o filme foi perdido em algum momento). Assim, as cartas estavam sobre a mesa, e os artistas só precisavam deixar a criatividade falar por eles.

A década de 1920 chega, e com ela uma das mais importantes viradas na história das animações. Tudo começa com um pequeno estúdio de animação chamado Laugh-O-Gram Studio. Responsável por produzir pequenos curtas animados que eram exibidos antes dos filmes principais, foi fundado por um novato no meio da animação chamado Walt Disney. A história de como Laugh-O-Gram tornou-se um dos maiores impérios do entretenimento mereceria um texto próprio. O fato é que em 1937, já com o nome de Walt Disney Company, é lançado “A Branca de Neve”. O filme não apenas popularizou as animações ao redor do mundo, como foi o primeiro passo de uma nova forma de se produzir animações. Com o tempo, Disney percebeu o potencial único dos desenhos com os quais trabalhava. Reconhecendo a necessidade de se olhar para a arte e a narrativa como elementos distintos que compõe um trabalho, a Disney foi o primeiro estúdio a separar o departamento de animação do departamento de storyboard.

Nesse momento é importante salientar que a animação ganhava cada vez mais artistas ao redor do mundo. Todos trabalhando em seus próprios projetos, que em alguns casos possuíam técnicas muito similares. Embora Walt Disney tenha seus próprios méritos, suas animações foram concebidas a partir de técnicas e tecnologias vindas de outros realizadores como Winsor McCay, que possuía uma habilidade única na forma como tratava suas animações, conseguindo  criar narrativa e a sensação de movimento enquanto ainda trabalhava com tirinhas em jornais. Enquanto McCay trabalhava numa das suas primeiras animações (“Gertie the Dinosaur” [1914]), ele conheceu John Randolph Bray, outro interessado no mundo dos desenhos animados e fundador da Bray Productions. Ao lado de Earl Hurd, John Bray a célula animada, que permitia criar um fundo fixo e animar apenas às personagens (esta técnica foi usada em “A Branca de Neve”). Porém algo semelhante já havia sido utilizado em “Gertie the Dinosaur” e ao longo dos anos seguintes, McCay processou John Bray por este ter roubado algumas das suas ideias.

Outro avanço que surge nessa mesma época é o rotoscópio. criado pelos irmãos Max e Dave Fleischer o equipamento ajudava a dar fluimento nos desenhos. A ideia era desenhar por cima de uma gravação com atores reais. Essa técnica foi tão importante para as animações, que a Disney utilizou em quase todos os seus trabalhos entre “A Branca de Neve” e “O Rei Leão” (1994).

A Disney, por sua vez, sempre se manteve na vanguarda da animação, abraçando todos os recursos possíveis para tornar seus trabalhos mais lucrativos e interessantes. E chegou a pagar caro por isso, como no caso de “O Caldeirão Mágico” (1985). A produção, que chega aos cinemas com uma década de atraso, passou por uma infinidade de problemas ao longo de sua produção, como a demissão de John Lasseter e outros 13 funcionários experientes do departamento de animação. Isso resultou num atraso das produções e num longa feito por uma equipe de novatos. O filme foi um dos maiores fracassos comerciais da Disney, quase levando a empresa à falência e mudando a forma como os trabalhos eram realizados.  A partir deste momento, as produções passaram a ser feitas de maneira mais rápida e com baixo orçamento (“O Caldeirão Mágico” custou pouco mais de 45 milhões de dólares e obteve uma bilheteria de pouco mais de 20 milhões).

Deste ponto, dois desdobramentos merecem atenção. O primeiro da parte de um jovem que havia sido recém contratado e participou da produção de “O Castelo Animado”. Tim Burton construiu o início da sua carreira na Disney, tendo um trabalho consistente em stop motions, criando animações com personalidade e profundidade, ao mesmo tempo que trazia temas mais densos e soturnos. Em parte, essa característica foi responsável por fazê-lo sair da empresa.

O outro acontecimento está na saída de John Lasseter, ao ser demitido da Disney, foi trabalhar na Lucasfilm, no departamento de animação digital. Esse grupo foi comprado posteriormente por Steve Jobs e assim nasce a Pixar em 1986. John Lasseter foi responsável pelo primeiro longa do estúdio, “Toy Story”, o primeiro longa metragem de animação feito digitalmente². Assim, a Pixar se torna a pioneira e um dos mais relevantes estúdios de animação digital.

Mas antes de avançar no digital, é importante falar de outro estúdio. Um dos mais renomados e aclamados na arte da animação. O Studio Ghibli, responsável por alguns dos melhores filmes já feitos pelo cinema japonês, foi criado em 1985 por Hayao Miyazaki, Isao Takahata, Toshio Suzuki e Yasuyoshi Tokuma. Juntos eles dirigiram, roteirizaram e produziram a maior parte das animações, como “Meu Vizinho Totoro” (1988), “Túmulo dos Vagalumes” (1988), “Sussurros do Coração” (1995) e “A Viagem de Chihiro” (2001). Este último acabou se tornando o responsável por popularizar as produções do Ghibli ao redor do mundo, mostrando toda a técnica nos traços e a sensibilidade nos textos que os filmes possuem. As produções do estúdio casavam a fantasia com o real, além de trabalharem com telas muito grandes, o que permite movimentos lentos e contemplativos. O resultado são filmes cadenciados e reflexivos, e mesmo quando destinados ao público mais infantil, exigem uma atenção muito peculiar do público.

Quando olhamos para esse resumo da trajetória da animação é fácil perceber como o formato foi se tornando cada vez mais técnico e artístico, cabendo aos atuais realizadores, buscar outras formas de evolução, o que nos traz de volta ao “Homem-Aranha no Aranhaverso”. A relação entre roteiro e animação se aprofunda de maneira simbiótica, tendo ambas as partes caminhado juntas e influenciando uma na outra. A delicadeza no trato, a mistura entre digital e ilustração tradicional, a inserção dos quadrinhos de modo

Quando olhamos para esse resumo da trajetória da animação é fácil perceber como o formato foi se tornando cada vez mais técnico e artístico, cabendo aos atuais realizadores, buscar outras formas de evolução, o que nos traz de volta ao “Homem-Aranha no Aranhaverso”. A relação entre roteiro e animação se aprofunda de maneira simbiótica, tendo ambas as partes caminhado juntas e influenciando uma na outra. A delicadeza no trato, a mistura entre digital e ilustração tradicional, a inserção dos quadrinhos compondo a estrutura visual e narrativa, o uso da fotografia para reforçar os poderes e habilidades do herói, os múltiplos universos explorados de forma coesa, entre tantos outros detalhes, apenas reforçam o poder que ainda há para ser explorado por artistas.

Naturalmente a história abraça muito mais detalhes como as heranças deixadas por estúdios como Hanna-Barbera, Belvision Studios, Aardman Animations e Cartoon Network. Ou mesmo artistas como Satoshi Kon e Chuck Jones, além, é claro, dos estúdios Blue Sky Studios, Dreamworks e Illumination Entertainment, para ficar apenas nos mais conhecidos. Há tantas possibilidades a serem exploradas e histórias a serem contadas, que não há como não imaginar um futuro de sucesso para as animações. Sejam elas focadas no público infantil ou não, olhando para trás e vendo tudo o que já foi criado, podemos afirmar que esta é uma arte que ainda tem muito a oferecer.

¹ Embora muitos atribuam esse título ao ambicioso “O Nascimento de Uma Nação” (1915), dirigido por D.W. Griffith, o australiano “The Story of the Kelly Gang” já havia sido lançado, com 70 minutos de duração.

² Em 1996, o longa brasileiro “Cassiopéia” chega aos cinemas. Embora tenha causado muito menos impacto que “Toy Story”, o diretor Clóvis Vieira e a NDR Filmes, produtora do longa, reivindicam que foi “Cassiopéia” o primeiro longa feito 100% digitalmente, uma vez que “Toy Story” possuía moldes das personagens que eram escaneados e então animados.