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“APAIXONADA” – O grande vazio

A ideia de recomeço pressupõe um começo. Isso pode parecer óbvio, mas não fez parte da mentalidade de quem idealizou APAIXONADA. Encarado como plot driven, a trama é mal elaborada do começo ao fim e não solidifica a ideia governante. Se a tentativa foi de uma narrativa character driven, há um grande vazio na protagonista, cuja abordagem amplia ainda mais esse vazio.

A filha de Beatriz (“Bia”) vai estudar fora do país, o que parece ser uma boa oportunidade para se aproximar mais do marido. Quando ele lhe diz que quer a separação, a solidão pode ser assustadora, mas também pode ser uma ressignificação da vida aos quarenta anos.

(© Imagem Filmes / Divulgação)

Existem duas cenas realmente boas em “Apaixonada”. Na primeira, Bia está na companhia de um instrutor de escalada e, em um breve diálogo, vê evaporar estereótipos, principalmente o do aventureiro. Na segunda, ainda melhor, ela dança com seu pai enquanto toca Coltrane, ambos filmados na contraluz com bastante flare, e conversam sobre o significado da felicidade – a cena é piegas, mas bonita. No resto, o filme não consegue ser sequer medíocre.

Do ponto de vista da linguagem cinematográfica, a diretora Natalia Warth demonstra intimidade com ferramentas bem empregadas, como o plano holandês e o sobre-enquadramento. Entretanto, alguns recursos são utilizados sem propósito, o que denota uma direção imatura. Assim, a mudança na razão de aspecto e a quebra da quarta parede são, na prática, descartáveis. A montagem do longa também deixa a desejar, com cenas igualmente despropositadas (o que justifica a cena em que Bia abre a janela e sorri depois de guardar os objetos de Alfredo? Haveria uma função simbólica se ela mudasse de pensamento e postura naquele momento, mas não é esse o caso).

Os problemas da montagem se refletem ainda no ritmo inconstante, o que não é surpreendente em se tratando de uma diretora estreante em longas (além de um curta, seus trabalhos são restritos a séries de televisão, cujo formato rítmico é muito diferente de um longa). Esse defeito no ritmo prejudica demasiadamente a película, que já se inicia com o incidente incitante e afeta a ideia governante. Em outras palavras, a intenção do roteiro escrito por Ana Abreu e Sabrina Garcia – com a colaboração de Rodrigo Goulart, baseados no livro de Cris Souza Fontês – é mostrar como uma mulher de quarenta anos pode redescobrir a autoestima e a independência eventualmente perdidas com o passar do tempo. A partir disso, seria necessário mostrar essa perda, não necessariamente o processo de perda, mas as suas consequências. O filme simplesmente não mostra o estado desanimado de Bia, revelando-o através de falas (como na cena com o pai) e do rompimento com Alfredo. Ao final, verborragicamente, há uma exposição dos erros do passado, o que é em si um equívoco voltado a corrigir a estrutura narrativa (novamente um equívoco de ritmo).

A cronologia da obra, nesse sentido, deixa de exibir qual era a Bia que, segundo Alfredo, a esposa deixou de ser. Isso, por sua vez, afeta o arco narrativo da protagonista, porquanto não há um comparativo. Os diálogos expressam que ela “vive a vida no automático”, mas não é isso que o longa mostra. Ainda mais grave, Bia é uma protagonista passiva, facilmente suscetível a vontades masculinas e indecisa quanto à própria vontade. Seria necessário elaborar de maneira muito mais profunda a razão pela qual Bia “se perdeu” e foi “se apagando”, não sendo suficiente que ela afirme isso. Sua trajetória, da mesma forma, é deveras insossa e não fica clara a progressão narrativa (e, nesse caso, não há como a ideia governante convencer).

Como se não bastasse, “Apaixonada” não é genérico apenas no título, mas nos clichês do gênero de comédias românticas. São exemplos: a dúvida entre um ex da mesma idade e um rapaz mais novo (envolvendo o choque etário), uma viagem pretensamente renovadora, sequências elípticas alegres antecedendo um momento mais dramático etc. Além disso, o humor precisa ser aprimorado muito para ser ruim: é péssimo na quebra da quarta parede (e parte da responsabilidade vai para Giovanna Antonelli, cujo talento cômico, nesse tipo de linguagem, é nulo), pavoroso nas situações constrangedoras supostamente engraçadas (a franja, tirar a roupa com a boca) e ausente no texto. O roteiro, inclusive, é inábil para criar personagens minimamente interessantes: Danton Mello é insípido ao extremo; Rodrigo Simas tem em Pablo apenas um sorriso sedutor; Nicolás Pauls tem uma personagem que infla a trama sem agregar verdadeiramente a ela; e Pedroca Monteiro encontra em Jeff o clichê (e estereótipo) do amigo gay. Dora (Polly Marinho) tem algum carisma e habilidade clara para a comédia, mas é subaproveitada. Analisando com atenção, o filme não é character driven, nem plot driven, é um grande vazio, um giro em trezentos e sessenta graus que sai do nada e vai a lugar algum.