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“COM AMOR, SIMON” – Certeiro dentro da sua proposta

Nem todos os filmes são capazes de dialogar para o público adolescente, muitas vezes avesso a mensagens enobrecedoras ou humanistas. COM AMOR, SIMON é extremamente eficaz ao tratar com delicadeza a homoafetividade adolescente.

O filme é protagonizado por Simon, um adolescente que considera ter uma vida normal, ressalvada pelo segredo referente à sua homossexualidade. Apesar de ser um segredo – inclusive para sua família e seus amigos -, o que Simon mais quer é encontrar um amor, encontrando dificuldade tanto nessa busca quanto em lidar com o sigilo da sua sexualidade.

O centro da trama é a busca de um amor, pelo protagonista, não a “saída do armário”, que se torna periférica. Simon sabe que é gay, querendo apenas conviver melhor com a sua sexualidade (pois o sigilo lhe é incômodo, aliás, é uma ressalva que ele faz quanto à normalidade da sua vida) e encontrar um namorado. O coming out é abordado com maestria: instrutivo e reflexivo (portanto, denso) sem ser maçante. São vários os momentos em que Simon se revolta com a injustiça de apenas os gays precisarem assumir a própria sexualidade publicamente. O que ele questiona é: por que a sexualidade individual ainda é assunto para as outras pessoas? Nesse sentido, ele fica consternado quando a notícia principal da escola é que existe um gay não assumido publicamente – e que os demais querem saber quem é. Porém, sua própria reflexão chega a outra indagação: por que gays precisam noticiar para o mundo que são gays? Perspicaz, o filme ridiculariza (no bom sentido) a indagação do protagonista, simulando, em uma sequência muito engraçada, os colegas heterossexuais se assumindo nessa condição perante as outras pessoas. Em outras palavras, a diferença entre a suposta necessidade de os gays assumirem publicamente a própria homossexualidade, enquanto os heteros não precisam falar nada (não correndo o risco, por exemplo, de causar uma decepção familiar), é uma flagrante injustiça denunciada pelo protagonista, que, todavia, a satiriza (ao invés de apenas dramatizar sua situação).

O que enriquece a película é que essa ridicularização pelo exagero é um senso crítico digno de nota, pois evita que o filme se torne desgastante e desinteressante para o público adolescente – que certamente prefere o surrealismo de um jovem decepcionando seus pais por se afirmar heterossexual à triste realidade contemporânea da não aceitação. A obra chega ao extremo do ridículo (reitera-se, no bom sentido), encenando uma coreografia de um musical – a cena é ótima, inclusive – ao som de “I Wanna Dance With Somebody” (cantada pela Whitney Houston) -, novamente com o protagonista imaginando uma realidade à parte, em que o coming out seria cheio de cores (literalmente) e alegria. Contudo, ele mesmo assume, em narração voice over, que não precisaria ser “tão gay” – o que não soa como um comentário preconceituoso, mas apenas uma ironia (afinal, o público-alvo espera piadas desse tipo). Coerente com suas premissas, “Com amor, Simon” usa o ridículo para gerar humor, sendo muito eficiente nessa proposta (como nas passagens mencionadas) – aliás, trata-se de um viés humorístico que agrada o público jovem. Exemplo disso é Martin, personagem vivida por Logan Miller (já conhecido pelo pavoroso “Como sobreviver a um ataque zumbi”), que é a corporificação impecável da expressão “vergonha alheia”, da atuação ao visual (incluindo o figurino e até mesmo a arte de seu quarto). Vale ressaltar que o humor não exclui a seriedade e a maturidade do filme, que não esquece os efeitos colaterais da autodescoberta (como a repressão, a exclusão social e o desamparo familiar). É o que acontece quando Simon conversa com um colega assumidamente gay, descobrindo que a “saída do armário” (o processo e suas consequências) não é fácil para nenhum deles – mas não deixa de ser uma decisão íntima e pessoal. Por via reflexa, o filme evita estereótipos e mostra que sexualidade e personalidade não se confundem (o que se cristaliza nos figurinos).

Em termos narratológicos, não existe um verdadeiro antagonista na trama, embora uma das personagens tenha vários momentos de vilania, inclusive enquanto engrenagem narrativa. Os coadjuvantes estão lá para demonstrar o amparo recebido pelo protagonista (quando recebido) para enfrentar o seu drama. Ao seu lado estão uma mãe carinhosa e compreensiva, interpretada por uma Jennifer Garner bem sensível; um pai, vivido por um convincente Josh Duhamel, aparentemente homofóbico, mas que apenas se equivoca quanto ao filho; e um círculo de amigos muito verossímil. Quanto aos amigos do protagonista, o roteiro acerta ao dar-lhes arcos dramáticos próprios, saindo da exclusividade de Simon. Nick Robinson parece estar melhorando em cada papel: foi ruim em “Jurassic World” e em “A quinta onda”, melhorou muito em “Tudo e todas as coisas” e aqui novamente tem bom desempenho. Sua introspecção, aparentemente inata, é coerente com o papel, merecendo atenção a linguagem corporal que o ator dá à personagem – por exemplo, ao costumeiramente deitar-se de barriga para baixo, indicando sua postura descontraída e jovial. Simon não chega a ser multifacetado, mas também não é unidimensional, como se percebe ao explicar como percebeu sua atração por pessoas do mesmo sexo (as menções a Daniel Radcliffe e Jon Snow são críveis) e, principalmente, quando ele deixa claro que não tem vergonha de ser gay. Isso até mesmo faz sentido, considerando o mote inspirador que envolve a produção, do ponto de vista ideológico. “Com amor, Simon” não quer surpreender, mas emocionar e inspirar seu público.

Greg Berlanti, showrunner de algumas temporadas das séries da DC Comics (como a quarta de “The Flash” e a terceira de “Legends of tomorrow“), entende que o essencial na direção é dar um contexto verossímil ao enredo. Os alunos se dividem em grupos, vários são “viciados” no uso do celular, selfies são constantes e o bullying é uma realidade aterrorizadora para os adolescentes. Embora a obra seja fictícia (baseada em um livro), poderia ter sido retirada de um relato real e convenceria para isso. A direção é sensível, criando cenas calorosas (como a que Simon conversa a sós com Abby no carro) e paradigmáticas (como a que uma professora resmungona repreende os bullies).

“Com amor, Simon” dificilmente vai conseguir reverberar perante o grande público, tendo grande probabilidade de ser encarado como um filme pueril e raso. De fato, é uma comédia adolescente bem leve e, em tese, aberta a todos os públicos. Porém, o filme não é raso no conteúdo, pois consegue estimular a reflexão do espectador. Os desafios juvenis podem parecer pequenos, mas, no seu momento, consistem em adversidades de difícil superação. Ademais, a abordagem é irrepreensível: o longa tem um discurso que certamente vai chamar a atenção dos adolescentes. É ameno enquanto obra de arte, mas certeiro dentro da sua proposta, o que é mais do que muitos outros filmes alcançam.