“COMO TREINAR O SEU DRAGÃO” (2025) – Virtudes alheias
Fazer um remake não é, em tese, algo ruim. Trata-se da oportunidade de apresentar a obra a um novo público e reapresentá-la ao público que conhece a origem. É recomendável, porém, que o remake agregue ao original, trazendo algo que o particularize e, idealmente, aperfeiçoe ou ressignifique o seu precedente. Do contrário, o ineditismo faz com que o primeiro obscureça o segundo. A mesma lógica se aplica aos remakes em live-action das animações, como é o caso de COMO TREINAR O SEU DRAGÃO, de 2025.
Acostumados a viver em guerra contra os dragões, os vikings moradores da ilha de Berk veem a situação se agravar com ataques mais frequentes à sua população e seus recursos. Tudo está prestes a mudar quando Soluço, o criativo filho do chefe, Stoico, firma um laço de amizade com Banguela, um dragão cuja espécie está entre as mais misteriosas e temidas.

O longa é dirigido e roteirizado por Dean DeBlois, que codirigiu e corroteirizou a trilogia original, baseada no livro de Cressida Cowell. Ou seja, DeBlois conhece a obra como ninguém, já que esteve envolvido diretamente em todas as suas adaptações cinematográficas. Talvez seja justamente por isso que o cineasta tenha sido incapaz de lhe dar novo verniz, limitando-se à linguagem utilizada, isto é, substituindo a animação pelo live-action. No mais, o filme de 2025 é substancialmente idêntico ao homônimo de 2010 (algumas cenas são copiadas em cada frame), o que pode ser do agrado dos fãs ao ver a maravilhosa história ganhar contornos mais reais, mas representa uma pobreza cinematográfica sem igual.
Mason Thames mantém em Soluço o olhar inseguro e a linguagem corporal frouxa (além da caracterização, em especial o penteado); a principal diferença de Nico Parker em relação à Astrid animada é a cor do cabelo. Quanto aos demais integrantes do elenco – Gerard Butler como Stoico, Nick Frost como Bocão, Gabriel Howell como Melequento, Julian Dennison como Perna-de-peixe e Harry Trevaldwyn como Cabeçadura -, são tão parecidos com os seus respectivos que parecem ter sido eles a inspiração e não o contrário. A única exceção é Cabeçaquente: Bronwyn James não guarda a mesma semelhança com a versão animada, o que poderia ser aproveitado no filme, pois ela mostrou potencial. Majoritariamente, os dubladores brasileiros são os mesmos, o que corrobora a intenção de copiar o longa animado.
Algumas cenas são alongadas (em especial as de ação), mas qualquer expectativa de inovação é absolutamente frustrada, pois o filme de 2025 faz uma aposta segura ao restringir seu conteúdo ao que fora apresentado em 2010. Desse modo, o filme não se justifica (salvo para propósitos exclusivamente financeiros, é claro), dado que o lapso de meros quinze anos não é capaz de colocar o primeiro (e excelente) filme no esquecimento, tampouco o torna obsoleto em sentido algum (a ponto de carecer de uma reforma). Isso significa que a produção tem o objetivo de, unicamente, transpor a linguagem animada para a do live-action, o que denota não apenas ganância (lucrar através de uma repetição dissimulada), mas covardia artística (não trazer novidades).
O que torna a escolha ainda mais grave é o fato de que a linguagem de live-action funciona mal no universo de Berk quando comparada à da animação. Banguela, o encantador Fúria da Noite, perde o seu carisma e a sua personalidade na proposta fotorrealista, afastando-se do charme cartunesco (e o mesmo vale para todos os dragões) – sem olvidar imperfeições episódicas, quando a textura da pele varia, como se ele perdesse as escamas. O mesmo ocorre com a ilha, pois Berk perde suas cores vivas para um aspecto real que, apesar de belo, é muito menos vibrante. Em outras palavras, a trama fantástica, com seu caráter de aventura adolescente, guarda mais compatibilidade com a animação, dado que o senso de realidade do live-action reduz a sensação de leveza e alegria. Possivelmente, essa linguagem funcionaria melhor com uma mudança drástica no roteiro, como um viés dramático ou de suspense.
Nem tudo no filme, porém, é ruim. Sua trama é incrível, pois adentra em variados temas com naturalidade e profundidade. Entre eles, destacam-se o sentimento de pertencimento (Soluço percebe que sua personalidade é diferente da de todos os demais vikings, o que gera conflitos consigo mesmo e com todos ao seu redor), o valor da amizade (Banguela apenas se esforça para salvar seu humano depois da construção do afeto entre eles), a necessidade de questionar dogmas tradicionais (a visão dos dragões como inimigos jamais seria posta em xeque se não fosse a experiência de Soluço) e o equívoco menosprezo ao diferente (se é verdade que o protagonista era diferente de todos, não é menos verdade que era ele quem estava no caminho certo). A trilha musical de John Powell, igualmente, é belíssima. As qualidades do filme emocionam: a história de Soluço e Banguela é tocante, e o longa que é copiado, de 2010, é maravilhoso. Porém, são virtudes alheias, justamente porque copiadas de uma produção anterior. Por sua vez, o que há de novo, o uso de live-action, não é uma virtude, mas acaba sendo um defeito.


Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.