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“EMMA.” – Alcançar um equilíbrio agridoce

Jane Austen não se tornou célebre à toa. Sua carreira literária foi marcada por personagens cativantes e romances acalentadores, com mulheres inequivocamente interessadas afetivamente em algum homem. EMMA. preserva a ideia de Austen de uma protagonista aparentemente desinteressada em um relacionamento – leia-se, em se casar -, porém o filme não alcança o equilíbrio agridoce da obra original.

Rica e inteligente, Emma não tem interesse em se casar, preferindo permanecer solteira e na companhia do pai. Ela descobre, porém, o que considera ser um talento para unir casais, alegrando-se com a função de “casamenteira”. Seu próximo alvo é Harriet Smith, para quem planeja um bom casamento. Na sua visão, o matrimônio é a oportunidade para a amiga atingir status social superior ao que ostenta, ignorando, contudo, a humanidade das relações humanas.

(© UNIVERSAL PICTURES / Divulgação)

O livro de Austen já foi adaptado no audiovisual em formatos de série e filme, com perfis relativamente variados. A versão roteirizada por Eleanor Catton é fiel ao material-base, principalmente por manter os acontecimentos das interações das personagens. O quadrado ciumento formado entre Emma, Jane, Knightley e Churchhill, por exemplo, é muito importante para o encaminhamento da trama em sua segunda metade. Autumn de Wilde também busca a fidelidade, alcançando êxito em especial na vertente relativa à comédia de costumes. Assim, as mesas são fartas, as pessoas ricas são vestidas por seus empregados, o matrimônio é ferramenta de ascensão social, manifestações artísticas são banais (pessoas cantando para uma plateia, danças bem coreografadas em eventos sociais, pinturas reúnem pessoas) e os aconselhamentos são prática comum (Harriet em relação a Emma, Marin em relação a Knightley). Esses são aspectos que se tornam ainda mais interessantes quando comparados os costumes hodiernos.

O lado cômico da película, contudo, não é resultado essencialmente da direção ou do roteiro, mas do elenco. Miranda Hart é o maior destaque nesse quesito, fazendo com que a Srta. Bates se torne tão carismática que o minúsculo arco narrativo que recebe consiga causar alguma comoção no público. Josh O’Connor é outro que vai bem na comédia e no arco narrativo individual, sendo ofuscado, porém, quando surge Tanya Reynolds, que o ofusca – surpreende, inclusive, a versatilidade da atriz, que ganhou fama pela série “Sex education” (que também é de comédia, mas a personagem que ela interpreta é radicalmente diferente aqui).

Entre os principais estão Callum Turner no papel de Frank Churchhill, Johnny Flynn como George Knightley, Amber Anderson como Jane Fairfax, Mia Goth como Harriet Smith e Anya Taylor-Joy como a protagonista. Dos cinco, apenas Goth consegue imprimir carisma em sua personagem. Turner é distante, portanto o desfecho de Churchhill não é surpreendente; Flynn não consegue gerar a identificação cinematográfica secundária que se espera para o perfil de Knightley; e Anderson é de uma antipatia sem precedentes (a cena em que toca piano colabora bastante, é verdade). Taylor-Joy tem sido ovacionada depois de um início meteórico, porém Emma Woodhouse certamente não está entre seus melhores trabalhos. Mesmo considerando que a protagonista não tem a candura de uma comédia romântica padrão, ela deveria usar isso em seu favor para torná-la mais cativante. A atriz, todavia, é completamente apática e permite que Goth brilhe mais quando contracenam. Taylor-Joy não está mal e Emma é uma personagem difícil (sobretudo pela frivolidade), mas sua apatia no papel é flagrante.

A diretora é claramente inspirada pelos trabalhos de Wes Anderson, o que se depreende por duas razões. A primeira é o design de produção, que adota cores bem vivas (não necessariamente quentes, mas fortes), como o vestido amarelo ovo de Emma. Os cenários, ricamente decorados com quadros e esculturas, não se intimidam, com paredes de cores rosa, azul claro e lilás, por exemplo, da mesma forma que o deslumbrante figurino de época. A arquitetura dos cenários é coerente, com corredores amplos, recintos com pé direito alto.

Por outro lado, de Wilde demonstra uma insistência desnecessária em centralizar Emma. Essa é a segunda influência do trabalho de Wes Anderson, porém isso se torna artificial pela arbitrariedade no uso: apenas a protagonista aparece em primeiro plano, o que atrapalha até mesmo a montagem, como quando várias personagens aparecem fazendo um piquenique, com a geografia da cena prejudicada pela centralização de Emma. Na mesma sequência, aliás, o balanço da câmera na carroça é sinal evidente de que o enquadramento está equivocado. O figurino é elemento estético capaz por si só de dar a centralidade à protagonista, não havendo contribuição para uma centralidade literal em inúmeros planos. O erro é fruto, provavelmente, da pouca experiência da cineasta, que, contudo, faz de “Emma” uma obra imageticamente bela e nada convincente no romance, mas razoável na comédia – não é agridoce na medida certa, tampouco exagerada ou insossa.