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“EU NÃO SOU SEU NEGRO” – Uma luta ainda atual

* Para escrever sobre o filme, convidamos o Victor Martins, jornalista e crítico do Assim Falou Victor (clique aqui para acessar), para nos honrar com o seu texto, que segue abaixo.

A primeira coisa que se pensa no início de EU NÃO SOU SEU NEGRO é que é um filme sobre amizade, no caso, a de quatro homens negros: James Baldwin, Malcolm X, Martin Luther King Jr e Medgar Evers. Esse é o pensamento inicial, mas está longe de ser o pensamento final.

(© IMOVISION / Divulgação)

Pois assim como as vidas de vários negros em todo mundo, essa amizade foi terminada por assassinatos, onde a vida de três desses homens (Medgar, Malcolm e Martin) foram roubadas por pessoas que se sentiram no direito de fazer isso e de subjugar um povo que, como diz Kendrick Lamar, foi o povo que começou todos os outros.

Dirigido por Raoul Peck e escrito por James Baldwin, esse último é o protagonista da obra, onde a partir de um manuscrito simples de 30 páginas (de Baldwin), que era para ser um livro e nunca foi, o diretor escolheu contar a história do negro nos Estados Unidos, a partir da trajetória das personalidades já citadas, seguindo a ideia do manuscrito de Baldwin.

O que o público assiste por uma hora e meia não é só a trajetória dos homens já citados, mas a história de luta por emancipação, que nunca foi conquistada pelo negro, como vemos, por exemplo, a cada George Floyd e a cada Miguel, exemplos recentes que não podem ser esquecidos.

Ao acompanhar essa emancipação, o público percebe através dos escritos de Baldwin e do próprio diretor (lidos por Samuel L.Jackson), além de entrevistas do escritor, como o branco fez o que fez naquela época e faz o que faz até hoje, para disfarçar seu racismo e difundir uma inclusão que não existe, a não ser quando o branco quer que exista.

O documentário dá exemplos, os filmes usados como “No tempo das diligências” de John Ford, que mostra como, através do cinema feito naquela época e que teve em Ford o maior expoente, era possível expor o racismo através de atitudes de heroísmo, fazendo, como o próprio Baldwin disse, massacres se tornarem lendas.

Proponho duas perguntas, quantos massacres, de quantos negros, se tornaram lendas e quantos mais vão acontecer até que algo seja feito? O filme mostra como o próprio Baldwin passa a ter uma postura mais ativa, deixando de ser uma testemunha e tendo um papel na luta pela emancipação.

Logo, a obra mostra como até mesmo um escritor, poeta e ativista teve uma certa dificuldade em assumir um papel ativo. Como o próprio disse, “nem tudo o que se enfrenta pode ser mudado, mas nada pode ser mudado até ser enfrentado” e precisa ser enfrentado.

Baldwin fez isso do jeito dele e onde ele era bom, escrevendo, publicando, divulgando e ensinando as pessoas que estão dispostas a aprender e a mudar, o documentário também faz isso muito bem, pois ele mostra a trajetória de uma pessoa importante e que merece ser estudada.

Estudar é uma forma de luta, mas só ela não adianta, da mesma forma que postar um quadradinho preto no Instagram também não tem efeito, já que no fim das contas, a cada dia morrem mais do meu povo em todo lugar do mundo.

“Eu não sou seu negro”, assim como a música “The Blacker the berry” do Kendrick Lamar, mostram que a emancipação do negro é uma luta ainda atual. Mais do que qualquer coisa, precisamos ser antirracistas, leia Ângela Davis, Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, assista esse documentário brilhante de Raoul Peck, mas lembre-se: a instrução é válida e necessária, mas não adianta se os seus comportamentos ainda perpetuam algo que passou da hora de acabar.