Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

“F1: O FILME” – Duas camadas, muita forma e pouco conteúdo

Como sói em qualquer filme de esporte (e na imensa maioria dos filmes narrativos), F1: O FILME trabalha com duas camadas bem perceptíveis. A primeira, de caráter literal, se refere à vida do seu protagonista e ao esporte em si, dependendo assim da construção das personagens e das cenas de ação. A segunda, de caráter simbólico, se refere às alegorias representadas pelo esporte e às dinâmicas interpessoais, dependendo das sutilezas da mise en scène e do desenvolvimento narrativo. “F1” compreende essas camadas, mas nem sempre as edifica com qualidade.

Sonny é um piloto que, embora já tenha corrido na Fórmula 1, agora desempenha o automobilismo em categorias de menor prestígio. Quando seu amigo Ruben lhe pede ajuda para que sua equipe melhore, o pedido constitui uma oportunidade de voltar para a F1. Sonny, porém, precisará lidar com as dúvidas sobre as suas habilidades e com Joshua, um companheiro de equipe jovem e talentoso, mas de difícil trato.

(© Warner Bros. / Divulgação)

A história original do longa foi concebida pelo diretor Joseph Kosinski junto do roteirista Ehren Kruger, de modo que a digital de Kosinski marca indubitável presença. Trata-se do mesmo diretor de “Top Gun: Maverick”, havendo semelhanças gritantes entre as duas obras, notadamente a escolha de um ofício encarado tipicamente como masculino como uma via para abordar a masculinidade. Em um primeiro momento, há novamente um flerte homoerótico (confirmando a sugestão do longa anterior do cineasta), em especial na relação entre Sonny e Ruben, que são amigos bem íntimos (o segundo chega até mesmo a conversar com o primeiro enquanto ele toma banho). Em seguida, na relação entre Sonny e Joshua, que competem entre si, a insegurança deste com a chegada daquele se torna metáfora para a masculinidade frágil, já que ele deixa de ser a estrela da equipe. Por fim, na relação de Sonny com Kate – curiosamente, tendo Ruben a intermediando, quase como se houvesse um triângulo amoroso -, o roteiro questiona o viés masculinista do automobilismo, mas não aprofunda a ideia.

Percebe-se, portanto, que a construção de personagens é arquetípica. Brad Pitt tem em Sonny o veterano que talvez deseje provar algo para si mesmo e que sabe que o momento é de “passar o bastão” para as novas gerações. A motivação de Sonny é um dos elementos-chave da trama, todavia, ela não gera grande curiosidade (o filme se preocupa mais com suas manias pré-corrida e com seu carisma junto à equipe). O consagrado Javier Bardem é subaproveitado no papel de Ruben, um empresário desesperado, mas confiante no amigo. Já o novato Damson Idris, por outro lado, surpreende no complexo papel de um rapaz cuja arrogância tenta ocultar sua insegurança, respondendo muitas vezes de forma agressiva com os colegas de trabalho (não apenas Sonny, mas também com Jodie, papel de Callie Cooke). Kerry Condon é ótima como Kate, o interesse romântico de Sonny, porém a obviedade desse desenvolvimento narrativo, associado à maneira rasa como é desenvolvida a motivação da personagem, a tornam frustrante. No elenco estão ainda Sarah Niles como Bernadette, a mãe conselheira e preocupada, além de diversos pilotos reais, provavelmente a convite de Lewis Hamilton, que é um dos produtores do longa.

Kosinski se preocupa com a verossimilhança, o que motiva, por exemplo, a esplendorosa edição de som focada nos ruídos de carros de corrida e a composição de cenas quase documental, com planos filmados em pistas ou dentro dos veículos para aumentar a imersão do espectador. As cenas de ação certamente são mais aprazíveis por quem compreende bem a gramática do automobilismo, mas não são inacessíveis ao público em geral, em que pese à despreocupação com didatismo (o que é uma faca de dois gumes). Há certa dificuldade em estimular a adrenalina no público, tamanha a aproximação com o real. Vale dizer, Kosinski dirige tais cenas com tamanha adjacência em relação ao esporte da vida real que deixa de aproveitar recursos de linguagem cinematográfica em favor da verossimilhança.

F1” é uma superprodução primorosa em termos de montagem, fotografia e som, o que fica mais evidente na parte estritamente esportiva. Em sua parte humana, porém, o filme deixa a desejar, dada a sua timidez simbólica e a unidimensionalidade das suas personagens. Note-se que Sonny não está em busca de um aprendizado (sua única mudança de atitude parte de uma mera conversa com Kate, sem uma transição gradual, isto é, um processo de aprendizagem), mas de um propósito concernente ao que já está fazendo; Joshua, por sua vez, tem um arco de aprimoramento pessoal tão óbvio e previsível quanto todo o resto da narrativa, que, além de clichê, não surpreende em absolutamente nada. Bastante fechado em seu aspecto textual, o filme não tem por norte uma pretensão de transcendência, restringindo-se substancialmente à camada literal. É ocasionalmente divertido, mas chama a atenção o fato de apresentar conteúdo tão modesto (contrastando com uma forma opulenta) quanto o que apresenta em longas duas horas e meia de duração.