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“GODZILLA II: REI DOS MONSTROS” – Vida longa ao Rei

Ao questionar se ao governante seria melhor ser temido ou amado, Nicolau Maquiavel conclui, em sua célebre obra “O Príncipe”, que o ideal é ser temido e amado. O autor pondera, porém, que, como é difícil reunir as duas características, é bem mais seguro ser temido do que ser amado. GODZILLA II: REI DOS MONSTROS coloca o lagarto como uma realeza que reúne temor e amor perante seus súditos – mas não todos eles.

Cartaz de “Godzilla II: Rei dos Monstros

Na continuação de “Godzilla”, de 2014, a humanidade faz com que o Rei dos Monstros, cinco anos após enfrentar os MUTOs, precise defender novamente a sua coroa contra criaturas tão poderosas quanto ele. Entre os Titãs, estão a mariposa Mothra, o pterodátilo Rodan e o dragão de três cabeças Ghidorah (e isso não é spoiler, pois esses monstros, ao contrário dos outros que também aparecem, estão nas artes oficiais, como cartazes, e também nos trailers).

O filme de Michael Dougherty cumpre o que promete, não dando passos em falso – para bem ou para mal. Despido da sempre desejável ousadia, o longa quer ser hiperbólico, conseguindo apenas no que lhe é mais particular: os kaijus. No fundo, tudo é pretexto para colocar os Titãs batalhando – e as batalhas são realmente épicas -, preparando para a sequência da produção, em que “God” (Godzilla) enfrentará “King” (Kong). São várias as referências ao gorila gigante, mas não se pode dizer que o longa não tem personalidade. No primeiro filme, os MUTOs fazem com que ele ressurja; agora, o despertar de outras criaturas faz com que ele precise mostrar que domina o planeta.

Cartaz de “Godzilla II: Rei dos Monstros

Há um notório esmero no visual dos monstros, eventualmente ofuscado, porém, por um exagero na câmera tremida e uma insistência em planos nebulosos (com chuva ou neve). O caos visual se justifica na trama, mas cansa o espectador. Godzilla muda a cor de seus olhos a depender das habilidades empregadas no momento, além de ter as escamas melhor delineadas que no filme precedente (em resumo, ele está aprimorado). Mothra tem um visual bem diferente daquele da sua primeira aparição nos cinemas (em 1961), inegavelmente mais real e belo. Ghidorah se assemelha um pouco a Smaug, de “O Hobbit: a desolação de Smaug” (há também uma referência à franquia “Jurassic Park” quando o dragão encara uma personagem humana); Rodan parece não ter caído nas graças da equipe de design e efeitos visuais.

Cartaz de “Godzilla II: Rei dos Monstros

O viés superlativo da película é coeso com a ideia de Monsterverse, ou seja, faz todo o sentido que Godzilla lute contra outros Titãs. Entretanto, o filme se torna enfadonho em seu segundo ato, quase um anticlímax para a batalha final. Na primeira parte do longa, Lawrence Sher parece radical na fotografia, mas consegue planos magníficos (como o plano geral em que Ghidorah e Godzilla são contrapostos). A estética, nessa etapa, combina com as locações: onde há gelo, muito azul e cinza; onde há fogo, muito vermelho e tons terrosos. Na segunda parte, entretanto, Sher se perde (talvez pela narrativa igualmente desnorteada) e a fotografia se torna desinteressante.

Na verdade, a falha é do roteiro (atribuído a Dougherty, Zach Shields e Max Borenstein), reverberando nas demais áreas. Se o início do arco dramático de Emma e Mark é competente (ainda que clichê: após um trauma, o casal divorciado se reencontra em meio ao apocalipse), apenas ele consegue ter consistência enquanto personagem. Vera Farmiga é boa atriz (o mesmo se diga de Kyle Chandler), todavia a volubilidade de Emma é desconcertante. Millie Bobby Brown não compromete como Madison, não se destacando muito diante de um elenco tão plural – o japonês Ken Watanabe, sempre competente; a chinesa Ziyi Zhang, razoável; e a estadunidense Aisha Hinds, aparentemente subaproveitada.

Cartaz de “Godzilla II: Rei dos Monstros

Repetindo fórmulas mais que conhecidas, o roteiro conta com elementos óbvios, notadamente o já mencionado drama familiar, mal conduzido, e dois subtextos triviais. O primeiro subtexto é repetição de inúmeros outros filmes, como “Avatar” (inclusive com o militar sem escrúpulos e raivoso), isto é, uma mensagem ambiental transmitida de maneira bem rasa e com excesso de didatismo (aliás, os diálogos são paupérrimos). A humanidade fica dividida entre (1) os que querem matar todos os Titãs, (2) os que acham que os kaijus devem ser estudados porque nem todos são maus, e (3) os agentes do caos. O segundo subtexto não poderia ser mais elementar, redutível a uma simples pergunta: quem é o verdadeiro monstro?

De todas as acusações que “Godzilla II: Rei dos Monstros” pode sofrer, deslealdade com o espectador não é uma delas. A narrativa não é ruim, mas deliberadamente formulaica, suficiente para fazer algum sentido e conectar os filmes do Monsterverse. O que o filme realmente oferece são batalhas épicas entre monstros gigantescos e poderosíssimos, tornando os humanos um detalhe ínfimo em meio a tanta grandiosidade. Faz sentido que esses seres básicos (os humanos) temam Titãs como Ghidorah. Mas faz ainda mais sentido que o público ame um kaiju tão carismático quanto Godzilla. Um Rei que ainda vai viver muito – ao menos para enfrentar o Kong.