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“MORTAL KOMBAT”(2021) – Mais videogame, menos filme

Na década de 1990, a Midway Games desenvolveu “Mortal Kombat“, uma série de jogos de luta conhecida pela violência gráfica resultante de movimentos especiais feitos pelos jogadores para finalizar os oponentes. Ao lado de “Tekken” e “Street Fighter“, tornou-se uma das mais influentes séries de jogos com personagens lembrados e referenciados até hoje (Raiden, Sub-Zero, Scorpion, Sonya Blade, Liu Kang, Goro…). Desde seu lançamento em 1992, a obra saiu do Arcade, foi para o Playstation, rendeu séries animadas e live-action, foi adaptada para os cinemas pela primeira vez em 1995 e, por fim, ganha uma nova versão cinematográfica em 2021. O novo MORTAL KOMBAT, portanto, traz à tona a questão da nostalgia como parte crucial da narrativa.

(© Warner Bros. / Divulgação)

Quando se fala em nostalgia no cinema, o risco é depender excessivamente do sentimento de apego a um passado idealizado que pode alienar quem não compartilha dessas memórias. Tal armadilha está no cerne da proposta da adaptação comandada por Simon McQuoid, assim como o perigo de ser uma escolha vazia de simples acúmulo de referências. Na história, o imperador Shang Tsung da Exoterra envia seu guerreiro Sub-Zero para matar Cole Young. Tentando proteger a si mesmo e a família, Cole segue a indicação do major Jax de procurar Sonya Blade e logo se vê no templo de Lorde Raiden. Ali, treina com guerreiros experientes para batalhas que ameaçam o destino da Terra.

Os fãs da versão clássica do jogo podem se lembrar de seu estilo particular (os gráficos que não se pretendiam realistas, o enquadramento frontal dos confrontos e a ação localizada no primeiro plano sem uma profundidade de campo maior). Acima de tudo, podem rememorar o fato de que não se tratava de um game com alguma trama, já que cada jogador simplesmente escolhia as personagens para controlá-las durante os embates. Nesse sentido, o diretor Simon McQuoid e os roteiristas Dave Callaham e Oren Uziel se esforçam sem sucesso para tentar estabelecer um fio narrativo mais trabalhado para os acontecimentos do que a proposta pediria. Os espectadores não esperam que o roteiro tente articular profecias, marcas simbólicas para certos “escolhidos” e contextualizações culturais para o torneio Mortal Kombat – o próprio filme, em certas passagens, percebe a falta de necessidade de tudo isso e dispensa maiores explicações que deem coerência aos planos do vilão e aos significados do torneio.

Se as tentativas de criar uma história coesa produzem resultados rasos, a decisão de se entregar à fantasia que não se leva a sério, não precisa ter regras muito rígidas nem busca seriedade proporciona momentos relativamente divertidos. A narrativa encontra um entretenimento descompromissado quando referencia sem pudores o videogame, tornando a experiência praticamente extrafílmica ao homenagear o material original ou construir sequências cômicas e nonsense. Assim, o fluxo narrativo é brevemente interrompido para apresentar de forma grandiosa personagens marcantes (como Liu Kang, que surge imponente sob uma fotografia saturada contra o Sol) ou permitir que outras personagens tenham frases de efeito (como Shang Tsung, que prefere ameaças grandiloquentes com a certeza de que nada poderia contê-lo). Além disso, a cena em que Cole, Sonya e Kano enfrentam Reptile se encerra de uma maneira semelhante ao jogo e tendo um humor nada convencional para uma situação violenta.

Entretanto, tais instantes mais livres de lutas são entremeados por um pseudodesenvolvimento de personagens e por conflitos dramáticos vazios. Ao redor do protagonista Cole deveria haver um arco narrativo de amor e cuidado à filha e à esposa, mas as cenas que poderiam cumprir esse papel são apressadamente finalizadas sem conseguir evocar o efeito desejado – Lewis Tan também não é um ator tão hábil em dar mais de um tom dramático à personagem. A dinâmica entre os coadjuvantes, quando Cole interage com Sonya, Kano, Jax, Liu Kang e Kung Lao enquanto treinam para enfrentar os guerreiros de Shang Tsung, gera conflitos e objetivos de pouca substância: Sonya e Jax se veem dentro de um embate acerca do sucesso através do militarismo, Kano se comporta como o sujeito inconveniente de personalidade difícil até o limite da paciência, e veteranos e novatos daquela “equipe” entram em atritos por conta do compromisso com o treinamento. Por outro lado, o esforço feito pelos novatos para desenvolverem habilidades especiais propicia uma subtrama razoavelmente divertida, que remete às tentativas de um jogador de videogame para liberar um ataque especial.

A partir da transição do segundo para o terceiro ato, Simon McQuoid volta a propor um diálogo com o videogame capaz de entreter em alguma medida. Cada vez mais que o clímax se aproxima, as lutas remetem ao que se poderia ver no jogo: os efeitos visuais das criaturas e dos golpes especiais se afastam do realismo; a violência mantém um estilo gráfico escancarado pela câmera que registra o sangue e os ferimentos; e a condução dos confrontos é encenada de forma frontal para a câmera e com os golpes característicos de cada guerreiro. Vale considerar também como essa violência se relaciona aos comandos sonoros clássicos do jogo – “Finish him!” e “Fatality!” -, sendo, por vezes, pronunciados explicitamente pelas personagens. E as últimas cenas se passam em espaços que se assemelham geograficamente às locações criadas para o videogame – o roteiro cria justificativas interessantes para separar as personagens em ambientes diferentes e evocar seu material base.

O desencontro entre sequências de ação significativas do ponto de vista estético e simbólico e momentos para o desenvolvimento da história e personagens toma conta de “Mortal Kombat” integralmente. Isso porque a montagem torna algumas passagens confusas entre esses dois blocos (por exemplo, o primeiro ataque de Shang Tsung ao templo de Raiden está deslocado em um segmento da narrativa que preparava o início do treinamento naquele local) e tenta equilibrar as cenas de confronto às cenas de transição e criação de conflitos dramáticos. De qualquer forma, por mais que o filme se saia melhor quando não se leva a sério e abraça uma liberdade maior, seus méritos estão nas partes em que reverências ao “Mortal Kombat” jogo são feitas. Porém, o que foi lançado em 2021 não é um videogame. É uma produção cinematográfica que depende de estímulos isolados que despertam, na verdade, a vontade ligar o videogame, pegar o controle e jogar.