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“MUDO” – Pouca inventividade num universo dissuasivo

Duncan Jones dirigiu seu primeiro filme para a Netflix com MUDO. Uma ficção científica que é bem semelhante a um picolé de chuchu: não fede nem cheira. É importante destacar, porém, que são perdidas várias oportunidades que poderiam, em alguma medida, melhorar o filme como um todo. Um pecado no visual chapado e totalmente sem vida, além de ser patético em seu bojo narrativo, esse filme é a receita de um desastre nas mãos de qualquer diretor. Nas mãos de Jones, se tornou uma sessão pipoca no melhor estilo “o que está acontecendo?”, conseguindo ao menos usar o bom elenco para não deixar o espectador desligar a TV.

Na trama, Leo (Alexander Skarsgård) é um bartender mudo devido a um incidente na infância. Ele sai em busca do que aconteceu com sua parceira Naadirah (Seyneb Saleh), que desapareceu, e acaba enfrentando criminosos como Cactus (Paul Rudd) e Duck (Justin Theroux) para encontrar sua amada.

Falando da trama, o filme é fraco e pouco consistente. O segundo ato é uma bagunça narrativa, além de convergir em problemas de montagem que dificultam o processo de entendimento da investigação de Leo. A câmera é mal utilizada (salvo um ou dois momentos no terceiro ato), sendo previsível e demasiadamente óbvia. Em alguns momentos, é difícil entender o que está se passando, devido à própria inconsistência do roteiro ao tornar o personagem burro em um momento, mas ter uma sacada genial em outro. Isso pode criar no espectador uma mistura de antipatia pelo protagonista, além de se afastar cada vez mais do universo do filme, pois este não se esforça para fazer da história algo crível.

Justamente na questão de estabelecimento do universo que temos outro grande problema em “Mudo”. A fotografia tenta remeter aos clássicos do sci-fi como “Blade Runner”. Não funciona, pois parece parte orgânica da composição da cena, não um fator externo ao protagonista. Por exemplo, numa ficção científica, os elementos futuristas constroem o universo de modo a evidenciar a externalidade de todo um contexto que foge do controle dos personagens, que focam em seus objetivos narrativos. Aqui, tudo parece sem vida. As luzes não moldam sentimento algum pretendido pelo diretor, não há jogos de cores que possam contribuir positivamente para a história. Todos esses fatores tornaram a construção do mundo de “Mudo” extremamente desinteressante. O que, numa ficção científica, pode ser considerado um crime grave. Faltaram ideias, invenções, reverências com referências, que fariam desse aspecto algo corajoso e não amedrontado na mesmice.

O bom elenco do filme é um destaque, pois é a única coisa que prende o espectador ao menos até o término do longa. Paul Rudd está quase caricaturizado, mas entrega o que é preciso. Skarsgård é uma ótima escolha para o papel de Leo, conseguindo sustentar, aos trancos e barrancos, a ideia do filme até o final. O resto do elenco pareceu fruto de uma escolha aleatória para trabalhar no filme. Algo do tipo: “escolham qualquer um”.

Há um abandono crucial no roteiro quanto ao cerne do perfil do protagonista, que inclusive dá nome ao longa: Mudo. O fato de Leo não falar faz dele um homem com dificuldade de se afirmar numa sociedade que, embora tecnologicamente avançada, requer a voz como instrumento para viver normalmente, causando até mesmo uma discriminação social. Reside no filme essa boa e escondida abordagem quanto ao uso da voz, como sua importância e o que acontece quando se é diferente de todos. Porém, esse recurso é muito subutilizado, sendo reduzido a provavelmente três momentos onde há uma expectativa disso ser usado como uma ferramenta de desenvolvimento do personagem, mas nunca sai da mesmice. De toda uma gama de possibilidades prontas a serem exploradas com o tema da mudez, Jones preferiu a mais covarde de todas: a abstenção total.

Sem graça, confuso e talvez longo demais, “Mudo” é a prova de que não é sempre que uma ficção científica acerta na mosca. Mesmo tendo uma boa premissa, o longa se mostra muito desinteressante e faz da experiência de assistir a ele algo semelhante à agonia do protagonista durante a história. Prova também que é preciso a mão certa para assumir um projeto como esse e saber trabalhar com sabedoria, almejando um resultado final satisfatório. Talvez uma bagunça criativa da equipe de Duncan Jones tenha afundado um projeto que tinha chances de ser algo ao menos bem melhor do que o apresentado. Se alguém perguntar se “Mudo” é um bom sci-fi, a resposta pode estar justamente no título da obra: silêncio.