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“O BECO DO PESADELO” – O público e sua época

Quem é mau sempre será mau, mas não terá uma vida fácil, muito menos feliz: eis a ideia governante por trás do livro de William Lindsay Gresham. Em 1947, a obra foi adaptada para os cinemas sob a direção de Edmund Goulding. Em 2021, Guillermo del Toro fez uma nova versão de “Nightmare alley” – no Brasil, O BECO DO PESADELO (nome ruim, dando a entender que se trata de um terror ao invés de um thriller). Esqueceu del Toro, entretanto, que o público de 2021 é muito diferente do de 1947.

Após uma perda familiar, Stanton “Stan” Carlisle entra em um circo. No local, conhece Zeena e Pete, um casal que usa um código para enganar o público como se ela tivesse poderes mentais. Enquanto aprende truques com Pete, Stan se interessa por Molly, outra artista do circo que engana a plateia, porém com truques mais simples. Porém, o que Stan realmente pretende é ter um show só seu, vendo em Molly uma potencial assistente.

(© Searchlight Pictures / Divulgação)

O que Kim Morgan e Guillermo del Toro – o primeiro, como corroteirista; o segundo, como diretor e corroteirista – esqueceram é que o público de 1947 se impressiona com menor facilidade e prevê reviravoltas com maior facilidade. A narrativa é inflada com personagens desnecessárias, como Clem (Willem Dafoe) e o juiz (Peter MacNeill), deixando, por outro lado, lacunas que deveriam ter sido preenchidas, sobretudo o backstory de Stan. Em determinado momento, ele diz: “sou um oportunista, sei disso. Mas não sou como meu pai, nem nunca serei”. Faltou uma informação: “nem o espectador saberá como era meu pai”.

Em bom desempenho (mas não extraordinário), Bradley Cooper consegue transmitir em Stan uma dubiedade sobre seu caráter. No começo, ele parece benevolente, seja pela compaixão pelo Selvagem (oferecendo-lhe um cigarro), seja por ajudar Molly (sugerindo mudanças em sua apresentação). Não tarda, contudo, para que seus reais objetivos fiquem claros. Com Molly, por exemplo, a intenção é seduzir para ter uma confiável parceira nos golpes que planeja. Ela é cercada por dois protetores, Bruno (Ron Perlman) e Major (Mark Povinelli), o que eleva a vulnerabilidade já perceptível pela interpretação de Rooney Mara, que faz de Molly uma moça ainda pueril.

Na década de 1940, certamente o que constava no romance de Gresham era suficiente para assustar qualquer espectador. Os cenários de circo, com olhos gigantes e portais misteriosos, fazem bem ao ótimo design de produção, mas não abala um espectador da década de 2020. Há bastante esmero, em especial ao envolver a psicóloga vivida por Cate Blanchett: nos cenários (o consultório da psicóloga é deslumbrante com seu mármore preto no piso e sua mobília elegante), nos figurinos (geralmente de preto, o que combina com sua aura indecifrável), nas maquiagens e nos penteados (no caso de Blanchett, são impecáveis). É provavelmente ela quem tem as melhores cenas, considerando seu talento impressionante (as expressões demonstradas na primeira vez em que interage com Stan/Cooper impressionam pela eloquência).

Há igual cuidado no design de som, com prevalência de sons diegéticos que criam uma atmosfera penetrante. Ouve-se um barulho na rua, uma conversa ao longe, o som da lareira; tudo como complemento, salvo quando necessário que os sons tenham função narrativa – é o caso da cena em que Stan pega a chave da doutora Lilith. Nem tudo é de boa qualidade: além do que é excesso (a narrativa não precisava de mais de duas horas) e do que é escassez (as lacunas), a montagem deixa a desejar (por que usar transição de iris?). O grande problema de “O beco do pesadelo”, todavia, é seu ar anacrônico.

O anacronismo do longa está na mencionada ideia governante, mas também em aspectos gráficos, principalmente na forma como o circo é mostrado. É verdade que, na época, o entretenimento circense era baseado no que consideravam “bizarrices”, porém há uma preocupação exagerada em mostrar isso, que já é de conhecimento geral. Há uma diferença gigantesca entre expor o que era bizarro em 1947 em um filme de 1947, de um lado, e expor o mesmo em um filme de 2021, de outro. O tratamento dado à paranormalidade também é anacrônico, dado que, como é demonstrado na obra, o ceticismo já falava com algumas pessoas (quanto a isso, a participação de Richard Jenkins é excelente). O filme conta com um elenco sublime e, em sua forma, é esplendoroso. Todavia, é longo demais para o que quer dizer, e sem surpresas que provoquem emoção. Nem mesmo os plot twists em sequência, ao final, conseguem deslumbrar (tampouco surpreender) – sinal de que falta algo além da forma fílmica.