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“O TEMPO PARA” – Linha entre a sutileza e a superficialidade

Filme assistido na plataforma da Supo Mungam Films (clique aqui para acessar a página da Supo Mungam Plus).

Em 1949, Hungria e URSS assinaram um tratado pelo qual a União Soviética teria suas tropas em solo húngaro, dominando a política do país. Em 1956, parcela da população se insurgiu, pelo que ficou conhecida como Revolução Húngara (ou Contrarrevolução), contra as políticas impostas pelo governo da República Popular da Hungria e pela União Soviética. A Revolução não obteve êxito e as tropas soviéticas começaram a sair do país apenas em 1989. É no ano de 1956 que começa O TEMPO PARA, de 1982.

Após o abandono de seu pai (fugindo do país) na efervescência da Contrarrevolução, o adolescente Dini precisa lidar com os espinhosos assuntos políticos e morais presentes em seu cotidiano, tanto em casa quanto (principalmente) na escola. Em uma idade em que a sexualidade é pulsante, ainda, a paixão que Magda sente por ele o deixa sem saber como agir.

(© Supo Mungam Films / Divulgação)

É um pouco difícil compreender a íntegra do filme sem conhecer um pouco da História contemporânea da Hungria. O roteiro de Péter Gothár (também diretor do longa) e Géza Bereményi tem uma vivacidade política inquestionável, porém a maneira como a desenvolve e as premissas da qual ele parte pouco fortalecem a proposta. O fato de o filme começar em 1956, em um prólogo em preto e branco (estética expressionista), com a saída do pai de Dini, é um cartão de visitas bastante claro sobre o viés político do longa. Entretanto, o longa parece partir da premissa de que o espectador conhece o contexto exposto (já que não é muito didático sobre o tema), o que acaba por restringir seu público.

O grande problema é que “O tempo para” contradiz a sua proposta em razão da forma como a narrativa evolui. Por exemplo, quando Dini e Magda discutem seu (quase-)relacionamento no carro dirigido por Pierre, o motivo que os leva a estar no veículo naquele momento é completamente ofuscado pelo melodrama romântico juvenil. Na verdade, a abordagem da sexualidade é mais efetiva, não se apresentando como um tabu, seja pela nudez despudorada, seja pela intensa vida sexual dos adolescentes (o que pode surpreender ao considerar a época). A visão religiosa do sexo (apresentada pelo professor de Dini) é encarada pelos jovens como ultrapassada, uma ultrapassagem que também é política. É o que justifica a “Porquinha” como professora.

Mária Ronyecz tem em Lívia (a “Porquinha”) uma personagem ambígua, na medida em que não se dispõe a enfrentar o vice-diretor em sala de aula, mas promove festas bastante livres em sua casa. Os adolescentes fumam e bebem sabendo que há adultos contrários a tais práticas (basta ver as conversas de Dini e Gábor com Bodor, imaginando que ele poderia ser contrário a essas liberdades precoces), trata-se de uma primeira manifestação da sua rebeldia. Por detrás do arco pueril de Dini (István Znamenák) está uma atitude revolucionária nascendo, a mesma atitude que seu irmão Gábor (Henrik Pauer) sugere ter e que Pierre (Sándor Söth) efetivamente tem.

Os três adolescentes, cada um à sua maneira, tem uma vontade de enfrentamento, um desejo de questionamento que encontram, em princípio, apenas em brechas como o cigarro, o álcool e o sexo. No caso de Pierre, a desobediência é a sua marca: o professor pode brigar pelo seu cabelo desarrumado, pouco importa, ele quer sair do status quo. O jovem não tem medo de enfrentar o vice-diretor e, considerando-se acima dos outros, é indiferente a eles (quando não lhes dá ordens, como faz com Vilma ao sair da escola). Se Dini não fala do motivo da sua risada ao vice-diretor, Pierre faz o que lhe dá vontade para causar conflito.

O viés combativo das personagens é reforçado pela trilha musical, que usa clássicos do rock, como Elvis e Little Richard (“Jailhouse rock”, “Are you lonesome tonight” e “Tutti frutti”), de maneira simbolicamente coerente – afinal, o rock nasceu no país “inimigo” e como representação da perturbação da ordem. Imageticamente, para transmitir instabilidade, o diretor usa técnicas como plano holandês e câmera na mão em momentos que exigem abordagens desse tipo.

O tempo para” é um manifesto político em favor da rebeldia, porém bastante eclipsado por um romance tedioso, e enfraquecido por um recorte histórico quase sem contextualização. Pouco aparece, por exemplo, sobre as restrições impostas pelo governo à sua população. A linha entre a sutileza e a superficialidade é tênue, então talvez a eloquência teria sido uma opção melhor.