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“OS ESTRANHOS: CAPÍTULO 1” – Oscilação entre o remake e a franquia

O subgênero invasão domiciliar pode oscilar entre o verossímil e o sobrenatural. A entrada forçada em uma propriedade é um exemplo de criminalidade urbana, ao passo que a falta de explicações para o crime desafia a lógica racional. Os invasores são pessoas comuns sem indicativos de paranormalidade, embora apareçam e desapareçam de repente como um assassino slasher. OS ESTRANHOS: CAPÍTULO 1 guarda para si outra oscilação que não se adequa às possibilidades do subgênero: reimaginar um filme que já foi produzido ou preparar o terreno para o que está por vir.

(© Paris Filmes/ Divulgação)

Maya e Ryan são namorados que estão em viagem quando o carro quebra no interior dos EUA. Eles são forçados a alugar uma casa isolada em uma floresta até que o veículo seja consertado. A princípio, o local não parece muito convidativo, mas os habitantes da área ajudam. No meio da noite, um trio de estranhos mascarados invade a residência e começa um jogo mortal de perseguição e ameaça. Então, o casal deve se unir para tentar sobreviver àquele pesadelo.

Comparar um remake e uma nova versão pode não ser a melhor opção. Afinal, cada um deles pode ter sua própria leitura da trama e desenvolver a narrativa com escolhas particulares sem que haja o certo e o errado. Porém, é possível refletir se cada filme conseguiu dar conta da proposta escolhida. Em 2008, “Os estranhos” optou pela falta de contextualização da ameaça, fazendo os três invasores surgirem abruptamente sem tanta preparação (à exceção da pergunta “Tamara está em casa?”). Já a versão lançada em 2024 contextualiza o universo em questão insistindo em gritar para todos os espectadores que se trata de uma história de terror, como se percebe na caracterização assustadora da cidade e dos habitantes. Os personagens secundários, inclusive, precisam agir de modo estranho e insinuar algum ato violento a cada minuto.

A diferença de abordagem não faria uma obra ser automaticamente melhor do que a outra. A grande questão problemática é não conseguir lidar com os novos caminhos escolhidos. Anteriormente, Bryan Bertino definiu um estilo mais econômico para o terror, deixando de lado aspectos específicos do ambiente a ser invadido e sugerindo o drama de separação do casal principal através de silêncios. Já Renny Harlim preenche a ambientação e os conflitos com mais elementos, dando atenção ao espaço geográfico da casa alugada e criando mais interações para os namorados. O problema passa a ser o detalhamento maior do universo diegético. Isso porque a delimitação da locação chega a um nível crescente de didatismo, que reafirma exaustivamente que tudo pode ser ameaçador. Além disso, porque as trocas constantes entre os protagonistas são extremamente vazias e repletas de diálogos inexpressivos feitos por Madelaine Petsch e Froy Gutierrez, voltados para uma relação que estava amadurecendo.

Simultaneamente, a construção do horror esbarra nas contradições entre o que fazer para uma releitura e para o início de uma trilogia. Nas sequências violentas, Bryan Bertino investiu em uma preparação mais cadenciada que passava pela utilização da música diegética, das aparições silenciosas dos vilões e de jump scares eventuais. Renny Harlim não estabelece um padrão narrativo nem aproveita as variações possíveis de estilo para criar esses momentos. A ideia seria inserir elementos que evocam o filme anterior (as batidas na porta, a pergunta sobre Tamara, o tiro acidental, o desaparecimento do celular, a cena dos protagonistas amarrados em uma cadeira…)? Ou a decisão seria dar outra perspectiva às sequências de ataques dentro da residência baseada no aparecimento ainda mais repentino dos invasores? O diretor fica refém das dúvidas sobre manter ligações com a produção anterior ou trilhar um rumo diferente para a trilogia em curso.

Os momentos de terror de “Os estranhos: capítulo 1” pretendem dispensar a construção gradual do clímax, mas sofrem de uma execução pouco aprimorada. Em certas passagens, o risco da morte depende de um drama infantilizado em torno de Maya e Ryan, por exemplo, nas cenas em que um tenta salvar o outro. Em outros instantes, o surgimento abrupto do choque esvazia rapidamente o impacto sensorial porque sua entrada é tão breve quanto sua saída, como o tiro dado por Ryan para se proteger. Há ainda problemas na maneira como busca outras possibilidades criativas, como a perseguição na floresta, que se torna um exemplo de mudança em relação ao filme predecessor e de uma construção cênica e dramática desorganizada. Em geral, a narrativa carece de um olhar próprio sobre a história da invasão arbitrária de uma casa para colocar um casal em perigo mortal.

Preocupar-se com a criação comercial de uma franquia de terror não é uma ideia artística a ser levada em consideração como olhar específico do realizador. Renny Harlim transita sem muita consciência por um caminho que se revela contraditório. Inicialmente, poderia ser a releitura de elementos já presentes no filme de 2008. Em seguida, poderia ser um afastamento mais expressivo da execução estilística do terror. E, no fim das contas, o cineasta prefere despertar a curiosidade dos espectadores pelas continuações. O universo não pode ficar tão em aberto, por isso encaminha algumas sugestões de explicação a partir da postura dos habitantes locais com os forasteiros. A resolução dos conflitos pode ir somente até certo ponto, pois fechar os arcos deixa pouco material para os capítulos seguintes. E o desfecho da obra deve deixar pontas soltas na própria estrutura narrativa, como a cena clássica do mal que ainda está por perto e a cena pós-crédito. Onde fica a experiência sensorial do terror? Espere o capítulo 2. Pode estar lá. Ou no capítulo 3.