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“PAIXÃO OBSESSIVA” – Obra fora de lugar

Quando as novelas tentam emular o cinema, limitações de ordem técnica colocam barreiras à linguagem; quando o cinema busca ser uma novela, possibilidades visuais da mídia são enfraquecidas. Tanto em termos positivos quanto negativos, as duas formas artísticas precisam reconhecer suas singularidades e esse fato não hierarquiza nenhuma dessas expressões. Não identificar tais elementos é o ponto de partida para as fragilidades do longa PAIXÃO OBSESSIVA.

(© Warner Bros / Divulgação)

A tênue linha entre narrativas cinematográfica e novelesca começa pela forma como a trama é desenvolvida. Julia foi vítima de abusos por parte do ex-marido por alguns meses até conseguir se afastar dele e tentar reconstruir sua vida. Nesse recomeço, passa a se relacionar com David, que tem uma filha pequena, Lilly e uma ex-esposa possessiva, Tessa, sem saber que ainda corre perigo. O novo relacionamento é sabotado grave e perversamente por Tessa.

O desenvolvimento em questão pode ser ilustrado pela composição das duas atrizes principais. Os trabalhos de Rosario Dawson e Katherine Heigl seguem a lógica dramática exagerada da produção, porém também ultrapassam a sutileza necessária para não subestimar o público. Afinal, a protagonista reafirma até quando já possível entender que ela é uma mulher espontânea e agradável de conviver, que segue atormentada pela violência sofrida no passado. Já a vilã cria uma caricatura além do ponto de uma mãe controladora (capaz de regular toda a vida da filha), uma ex-esposa dona de um ciúme doentio e uma pessoa disposta a tudo para conseguir o que quisesse como se fossem suas posses.

À medida que o roteiro progride, continua faltando refinamento às situações criadas. Do embate inicial entre Julia e Tessa até a intensificação do conflito, qualquer indivíduo que já tenha assistido a alguma novela consegue prever o que virá: armações planejadas através do roubo e manipulação de objetos para gerar dúvidas no casal; intrigas inventadas por Tessa para abalar e desqualificar a rival; e atitudes mais extremas que recorrem à violência como tática de intimidação. Nesse sentido, a narrativa se assume dentro de um estilo novelesco previsível que entedia e possui coadjuvantes meramente funcionais – Lilly e Davi são simples peões inocentes que não compreendem o tabuleiro de disputas em que se veem colocados, exigindo pouco dos intérpretes Isabella Kai e Geoff Stults.

Portanto, o texto parece esquecer como o cinema constrói seu impacto emocional a partir da imagem e não tanto de linhas de diálogo, apenas. Esse esquecimento se traduz em falas que carecem de naturalidade (a exposição apressada de um policial sobre o impasse em que Julia se encontra) ou explicam desnecessariamente o que já havia sido mostrado por ações de Tessa (a conversa da protagonista com uma amiga sobre a natureza possessiva da antagonista). Além disso, o roteiro exige uma suspensão de descrença considerável ao inserir Tessa em um arco que a transforma na vilã quase perfeita, capaz de preparar diversos planos bem-sucedidos (imaginando cada mínimo detalhe) e ainda representar o clichê da ameaça que custa a ser superada.

Não somente o tom novelesco exagerado sobressai no texto, como também na narrativa comandada pela diretora Denise Di Novi. As situações conflituosas não bastam em si mesas para determinar os excessos de tom e ainda é necessária uma montagem que estica o drama para além de quaisquer sutilezas. O encadeamento das cenas pretende tanto mover a trama quanto destrinchar que tipo de impacto emocional o espectador deveria ter, insistindo em planos responsáveis por explicar demais as consequências do ato da antagonista e as reações da protagonista. Do mesmo modo, outros enquadramentos recebem muita importância pela cineasta com a ideia de expor sem ressalvas ou comedimento as mudanças dramáticas das sequências, através de uma série de planos detalhe e closes.

Enquanto o drama se estrutura na maior parte das sequências, existem também algumas indicações de suspense na ambientação de certos momentos. Essas sensações de mistério, expectativa e apreensão até apresentariam um sentido um coerente por conter reviravoltas na jornada se os artifícios não fossem forçadamente cafonas: a fotografia realista das cenas mais sóbrias em termos de conflitos cede lugar para uma iluminação sombria que antecipa antes do tempo a ascensão de algum embate, justamente quando nada muito relevante ocorre; e a trilha sonora traz temas recorrentes para comentar cada emoção que surge por alguns minutos como se fosse preciso ensinar o que sentir, como mistério, aflição, sofrimento, esperança e alívio.

Por não reconhecer as particularidades entre as linguagens televisiva e cinematográfica, “Paixão obsessiva” desperdiça a possibilidade de trabalhar o melodrama e assim encontrar seu lugar. Nem o gênero se constrói com a delicadeza que precisaria, nem os problemas resultantes da escolha por ser uma novela são amenizados. Toda a narrativa parece ser o núcleo central de uma produção novelesca que dispensou as subtramas e se concentrou no elenco mais famoso. Justamente nessas tramas periféricas inexistentes poderia existir um filme melhor.