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“PARIS, 13° DISTRITO” – Como e quando amamos

Em meio a um mundo de filmes românticos e paixões à primeira vista, PARIS, 13° DISTRITO busca explorar o nascimento do amor, tornando os espaços em que o sujeito está inserido e os acontecimentos em sua vida catalisadores desse sentimento.

(© CALIFORNIA FILMES / Divulgação)

Camille aluga um quarto no apartamento de Émilie e Nora consegue um emprego na empresa que Camille está gerenciando periodicamente. Em alguns momentos eles são amantes, em outros, colegas de trabalho ou, simplesmente, apenas moram no mesmo lugar. Frequentemente isso tudo se mistura de alguma forma.

Em primeiro plano partindo dos prédios e se aproximando do apartamento onde mora Émilie, fica evidente a importância do título do longa. Apesar de não se tratar de um filme sobre o bairro de Olympiades (nome do décimo terceiro distrito de Paris), é neste lugar e, graças a ele, que tudo ali acontece. Através das coincidências que fazem os personagens se cruzarem, o filme circula entre a vida dos três protagonistas e os problemas que enfrentam nas interações profissionais, familiares e conjugais, tudo de maneira circular e entrelaçada. O fato de não haver um protagonista evidencia como o diretor Jacques Audiard busca junto do espectador descobrir e entender, pelo voyeurismo que é assistir a um filme, em que momento o amor surge e quando os personagens percebem que realmente estão amando.

Camille, que é um professor de literatura em busca de uma vaga efetiva na área, aparenta estar em um período de desapego e passagem. O emprego em que está não é de seu interesse e o lugar onde foi morar é temporário. Até o sexo com Émilie, que alugou um quarto de seu apartamento para ele, acontece apenas por questão de conforto e desejo. Nada parece importar para ele, que inclusive tem dificuldades de lidar com a sua família, em processo de luto por causa da morte de sua mãe. Essa negação por apego acaba entrando em conflito com sua necessidade de aprovação. Quando começa a se relacionar com Nora, uma mulher que parece ser poucos anos mais velha que ele, sente que está apaixonado por ela, mesmo ainda mantendo um complexo laço de amizade com Émilie.

A ideia de usar o bairro como palco para tal apresentação dramática faz de tudo aquilo que existe fora daquele espaço uma lacuna, preenchida por qualquer coisa que os personagens estejam à procura: seja no trabalho; no retorno para a faculdade depois de mais de uma década; no caso com Nora e até no sexo indiscriminado que Émilie busca em aplicativos de encontros – enquanto evita visitar a sua vó em um asilo, que parece estar em seus últimos momentos de vida.

Há realmente uma variação de protagonismo no longa, que deixa nas entrelinhas diversos dramas do personagem que está em destaque em determinados momentos do drama. Nora, por exemplo, mudou de cidade e começou a estudar Direito depois dos 30 anos de idade, parece ter dificuldade de interagir com os jovens colegas e, mesmo assim, se vê empolgada nesse novo lugar. Em momentos de trauma recebe a ligação de um ex-companheiro que fala como sente falta de seu corpo e isso parece ter sido o estopim que levou essa relação ao fim. Por isso a personagem parece estar durante o longa em busca de entender a si mesma, tendo em vista que o rompimento de uma relação que começou tão cedo talvez a tenha bloqueado na hora de explorar as possibilidades de como amar, quem amar e, até mesmo, como fazer amor.

Os traumas, a rejeição, a falta de alguém e a convivência faz com que o amor surja entre os personagens. Nada é instantâneo ou parece certo desde o primeiro momento, surge inclusive de maneira orgânica e, talvez, até sem magia alguma. O antirromantismo no roteiro do próprio diretor brilha no momento em que se contrasta com a sensibilidade com a qual ele trabalha as relações que permitem a esses personagens se descobrirem amando. Mesmo que para isso tenham que assumir estarem no “caminho errado”. Talvez a cena que melhor represente tudo isso seja a que acontece após uma maravilhosa sequência de sexo, quando Nora toma controle ativamente do ato, estabelecendo, assim, o florescimento da personagem interpretada pela excelente Noémie Merlant de “Retrato de uma jovem em chamas” (2019). Após o intercurso, Nora se aproxima de Camille e sussura: “você está errado Camille, eu também estou, não nos veremos mais”. Talvez o verdadeiro romantismo esteja em assumir que o amor não é mágico, ele não surge como um furacão ou uma chama que queima ardentemente, ele surge no hoje, no amanhã e no ontem.