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PATERNIDADE – Provando que a masculinidade negra não é agressiva

No Brasil o Dia dos Pais é celebrado somente no segundo domingo do mês de agosto. Nos Estados Unidos, a comemoração é mais cedo: no terceiro domingo de junho – o último final de semana. Para celebrar, a Netflix apresenta o longa PATERNIDADE, que está entre os dez títulos mais vistos da plataforma.

Matt Logelin é um jovem recém-casado que está feliz da vida com o nascimento da primeira filha. Acontece que logo após o parto sua esposa falece, cabendo a ele a missão de criar a pequena Maddy sozinho. Como se já não bastasse a complexidade da situação, todos em volta duvidam da sua capacidade – sua mãe, sua sogra, seus amigos e até mesmo seu chefe.

(© Netflix / Divulgação)

O longa é baseado no livro “Two kisses for Maddy: A memoir of loss and love” escrito pelo Matthew Logelin da vida real. As conversas sobre a adaptação acontecem desde 2015, quando o ator Channing Tatum (“Magic Mike”) estava escalado como protagonista. Contudo, o papel acabou ficando com Kevin Hart, um dos comediantes mais famosos da atualidade.

Veículos pelo mundo afora apontam que Kevin queria, ao interpretar o papel de um pai viúvo, apenas limpar sua imagem perante o público. O ator, que também é produtor executivo do longa, foi anunciado como apresentador do Oscar 2019. Rapidamente os usuários do Twitter encontraram publicações antigas de Kevin, onde ele debochava de homossexuais e fazia postagens ofensivas. Após a polêmica, o próprio comediante desistiu de apresentar a cerimônia.

Em determinada cena, a personagem de Kevin rebate uma frase machista de seu chefe, reiterando que alguns homens também têm seio – no caso, homens trans. O diálogo corrobora a narrativa de que a personalidade do personagem e suas falas foram trabalhadas para ajudar a melhorar a imagem de Hart.

Para os registros oficiais, a intenção do ator ao aceitar o trabalho era trazer a sua identidade para o papel. Ou seja, um homem negro interpretando um pai amoroso e preocupado é algo diferente do estereótipo proposto ao homem negro de “bandidos”, homens perigosos e com poucas chances de construir uma representação positiva em cima disto.

Desse aspecto, Hart consegue criar uma personagem que causa empatia através de sua atuação. Mesmo com momentos calçados na comédia – como nas cenas em que Matt arremessa as fraldas sujas em uma cesta de basquete -, é nas cenas de drama que o ator se destaca.

Matt se sente inseguro ao ter que lidar com sua filha e, no dia a dia com diversas dificuldades ele vai aprendendo a como ser um pai solteiro – e paciente. As cenas dramáticas se acentuam quando o personagem entra em conflito com a sogra, Marion (Alfre Woodard), que acredita que o genro não dará conta de cumprir a missão.

Criar a filha enquanto precisa cuidar da casa, trabalhar fora, cuidar de si próprio e ainda seguir sua vida com o dilema de um novo relacionamento e o impacto disso na relação com a filha. Ufa! Matt vive, basicamente, o dia a dia de uma mãe viúva, ou que teve que criar o filho sozinha enquanto o pai escolheu negligenciar a criança.

O roteiro é assinado por Dana Stevens, roteirista de “Cidade dos anjos”, em conjunto com Paul Weitz (“American pie”), que também é o diretor. Do ponto de vista narrativo, o longa não apresenta grandes reviravoltas. O destaque é no primeiro ato, onde o filme começa quebrando a linearidade, mesclando o passado e o presente para estabelecer o conflito principal.

Um grande acerto, portanto, é a personagem Lizzie, de DeWanda Wise. Uma mulher solteira, que está bem consigo mesma e que só aceita entrar em uma relação se realmente estiver envolvida – e não por obrigação. Contudo, falta um aprofundamento maior em sua trama. Era perfeitamente possível inserir o desenvolvimento em cenas que parecem se repetir constantemente, como por exemplo, o conflito na porta da escola onde Maddy não aceita usar saias e Matt sempre sai correndo para não precisar ouvir a reclamação da escola.

Repetidas vezes a freira reclama e até obriga a menina a usar uma saia, o que acaba causando um acidente quando os garotos descobrem que Maddy usa cueca. Em uma cena anterior ao fato, Kevin aceita que a menina compre cueca ao invés de calcinha. Essa é mais uma cena em que a personagem é reforçada como alguém não-preconceituoso.

A direção de Paul Weitz não traz um grande diferencial em sua decupagem, mas busca enquadramentos onde pai e filha estejam em destaque e evidencie a construção da relação. Um grande exemplo é a cena em que Matt precisa lidar com Maddy, ainda recém-nascida, sem berço e dormindo em um cesto no chão ao lado da cama dele. A diferença entre a posição fica clara vista de cima e causa angústia pois cria a sensação de que a criança não sairá do chão, em uma analogia ao processo de crescimento, de baixo para cima.

“Paternidade” é um filme dramático com cenas de comédia que se tornam cansativas pela repetição, mas é um longa que sabe aproveitar o que tem de melhor e não subutiliza nenhum recurso, sempre resgatando-os em algum momento. Kevin Hart emociona em – o que talvez seja – seu melhor desempenho da carreira, e tem uma química excelente com a pequena Melody Hurd. Juntos, eles elevam a narrativa e transformam o longa em uma boa opção de entretenimento familiar.