Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

“PEGANDO A ESTRADA” – Suporte familiar [45 MICSP]

Misturando drama e comédia em um road movie, PEGANDO A ESTRADA emociona, diverte, contagia e reforça um sentimento inato de afeto familiar. É um filme completo, que, se fosse narrativamente melhor, seria irretocável.

Uma família está na estrada fazendo uma viagem em um carro alugado. Quem dirige é o filho mais velho, já adulto; ao seu lado está a mãe; atrás ficam o filho criança e o pai, o último com a perna engessada. O clima é de preocupação e despedida, mas é preciso fingir que está tudo bem para que o filho pequeno não sofra pelo que vai acontecer. Enquanto pai e mãe se desdobram para evitar a curiosidade da criança, o filho mais velho, Farid, é o mais quieto – e será o mais afetado.

O longa é escrito e dirigido por Panah Panahi, filho do aclamado cineasta Jafar Panahi. O texto é terno e equilibra magnificamente o drama com a comédia, porém sua vagueza em relação ao mistério que move as personagens poderia ter sido melhor dosada. Na verdade, não se sabe as circunstâncias exatas que motivam a viagem, mas apenas, por alto, o que a justifica e suas consequências imediatas. A fotografia de Panahi é arenosa para transmitir a aridez do desafio a ser enfrentado pelo quarteto – ou quinteto, se incluído Jesse, o cachorro doente da família, que também tem sua importância simbólica mais ao final. Em meio a belas paisagens regadas por um sol escaldante, um pequeno lago próximo ao qual Khosro (o pai) e Farid (o filho adulto) se sentam para conversar é o local perfeito para um diálogo de alento.

A sensação, como diz a mãe, é de sufocamento. O futuro é doloroso; o presente, angustiante – tanto pela incerteza do êxito quanto em razão do sigilo guardado em relação ao pequeno. Para transmitir as duas frentes das sensações transmitidas pelo filme, há dois tipos de emprego da excelente trilha de Peyman Yazdanian. No primeiro, que aparece nos minutos iniciais, a música extradiegética (um piano melancólico) enaltece o lado dramático; no segundo, a música intradiegética (canções no idioma árabe) injeta alegria nas personagens, com vigor que ultrapassa a tela. A música extradiegética surge ora em sincronia (a cena do “piano” no gesso), ora com função de preenchimento; a intradiegética, por vezes cantada, em outras, com lip sync das personagens – uma das cenas desse tipo é maravilhosamente encantadora.

O trabalho do elenco é muito bom. No papel de Khosro, Hasan Majuni tem um pai aparentemente frio (como demonstra ao recordar a esposa que, com a idade de Farid, já tinha constituído família), mas que na verdade quer proteger a família (não querendo que o filho chore na frente da mãe, defendendo que o ciclista deveria ser deixado na estrada etc.). Amin Simiar não brilha no papel de Farid, porém sua introspecção é coerente com a personagem. Pantea Panahiha emociona muito ao viver uma mãe que quer resguardar a prole mesmo quando ausente (recomendando a Farid que fume menos), revelando um apego maternal que torna aquele contexto muito mais doloroso (o apego é inclusive físico, como em relação à urina e ao cabelo de Farid). Além disso, a habilidade com que Panahiha expõe um choro contido é verdadeiramente tocante.

É Rayan Sarlak, entretanto, o que mais brilha ao interpretar o filho menor: carismático e enérgico, é com ele que ficam os melhores momentos de humor e, claro, de fofura. Ele ainda é uma criança, o que se percebe, por exemplo, ao mencionar um inimigo do Batman e ao adentrar na van. É justamente a sua infantilidade que faz com que seus pais estabeleçam uma blindagem relativa ao triste evento vindouro, usando a mentalidade infantil para tirar seu foco (um bezerro pode fazê-lo esquecer, momentaneamente, da vontade de ficar com Farid). Sua fofura quase ofusca o que ocorre à sua volta, todavia é o contexto que o cerca, em visão macro, o centro da narrativa.

A família de “Pegando a estrada” se deparou com um obstáculo difícil de ser enfrentado. A dificuldade se dilui à medida que se aliam para alcançar um fim comum, que pode não ser o melhor fim, mas é o que evita o pior dos males. Chorando ou segurando o choro, é isso que uma família faz pelos seus integrantes.

* Filme assistido durante a cobertura da 45ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.