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“POR TRÁS DOS SEUS OLHOS” – Sem um perfil marcante

Perfume de mulher” é protagonizado por um deficiente visual bem particular, que se diverte ao fazer o que não deveria em razão da deficiência. No fundo, é um drama com pitadas de alegria. Já “O ensaio sobre a cegueira” mistura drama, romance e, principalmente, ficção científica, para imaginar uma realidade alternativa em que a deficiência seria epidêmica. POR TRÁS DOS SEUS OLHOS trilha um caminho distinto, sem alcançar o nível dos outros dois mencionados.

Na trama, Blake Lively interpreta Gina, uma mulher que sofreu um acidente na infância que a deixou com deficiência visual. A protagonista e seu marido são acostumados com a rotina em que ela depende dele, todavia sua personalidade e seu casamento mudam quando ela passa por uma cirurgia que consegue lhe dar novamente a visão.

Lively é uma atriz que tem o crédito de se aventurar em projetos ambiciosos, como “Águas Rasas”, uma versão de “127 horas” no mar, “A incrível história de Adaline”, um doce romance fantástico, e “Café society”, quando trabalhou com Woody Allen (o que é sempre um desafio artístico e uma chance de catapultar a carreira). Embora seu trabalho em “Por trás dos seus olhos” não seja memorável, a doçura inata da atriz (basta ver nos outros filmes) aqui se torna insegurança, o que é bem coerente com a proposta do primeiro terço da película – depois, nem tanto (o que, contudo, não chega a incomodar). No começo, a movimentação da sua cabeça pode parecer um equívoco no desempenho, mas faz sentido quando se tem em conta que Gina consegue enxergar leves vultos. O marido de Gina, James, é interpretado por Jason Clarke: apesar de mais brando que em “Planeta dos macacos: O confronto” e “O exterminador do futuro: Gênesis”, sua atuação não consegue variar muito, pois ele parece viver sempre o mesmo papel.

O filme é repleto de simbologias inteligentes, começando pela escolha dos nomes para o casal: Gina é uma abreviação ou um diminutivo de algum outro nome (nunca revelado), o que corresponde à sua própria personalidade reduzida (ao menos antes da cirurgia) e até mesmo frágil; James é uma variante de Jacó, que, em hebraico, significa “aquele que se agarrou no calcanhar” (já que, na Bíblia, quando nasceu, ele ficou agarrado ao calcanhar do seu irmão gêmeo Esaú) e também “enganador” (igualmente por razões bíblicas), o que já pode sugerir muito sobre a sua personalidade. Ainda quanto aos nomes, embora “Por trás dos seus olhos” não tenha sido uma escolha ruim, já que denota uma visão além do que é enxergado, o nome original em inglês, “All I see is you” (em tradução livre, “tudo que eu vejo é você”) é mais significativo, pois, de fato, antes da cirurgia, o espaço simbólico que Gina possui é pequeno em razão do expansivo marido. Além disso, de todas as simbologias, a começar pela sexualização da cadela de Gina (aliás, o sexo é apresentado de maneira muito mais agressiva e passional do que verdadeiramente romântica), a que melhor representa a caminhada da protagonista é a do túnel: ela somente consegue enxergar a luz, literal e metaforicamente, quando supera o trauma.

A cirurgia resulta em uma enorme diferença tanto para Gina quanto para James, e mesmo para o seu casamento. Antes, o marido a trata como uma pessoa altamente incapacitada, cuidando dela como se fosse seu pai, chegando a falar “você precisa que seu James grandão fique em casa para te proteger”. Ele afirma que não acha ruim ter de cuidar dela, sentindo-se especial, contudo o relacionamento deles se revela frágil após a cirurgia porque, a partir de então, ela passa a ser sujeito – e não mais objeto – da relação. Superficialmente, ele é um marido apaixonado e seguro da solidez do relacionamento, todavia as minúcias indicam que o que ele realmente gosta é da objetificação que ela sofre, tanto é assim que, quando ele fica vendado, sente-se aflito e não aguenta. É clara a progressão narrativa: a personalidade dela, tímida, vai se expandindo à medida em que ela toma liberdade (e enquanto sua visão vai retornando, paulatinamente). Assim, não apenas se questiona a intensidade do amor do casal, pois o retrato do cotidiano de Gina faz com que o espectador reflita como seria estar na situação dela (considerando que ela passou a não enxergar depois de um acidente).

É nisso que a direção consegue chamar a atenção, enfatizando os estímulos verificados na narrativa, em especial sonoros (a edição de som não deixa a desejar) e também visuais (como na cena da balada). Quando a trilha sonora se faz presente, fica prejudicada a edição de som, pois deveriam ser privilegiados os ruídos que Gina ouve. É essa, inclusive, a lógica visual, como no uso de plano-detalhe em várias cenas no início (por exemplo, na boca do médico) e, em especial, na filmagem através de uma lente grande angular, distorcendo a imagem (que parece curvilínea), por câmera subjetiva, deixando claro que essa é a visão (em sentido estrito) que a protagonista tem, ao menos no início.

Com um desfecho suave para a proposta, “Por trás dos seus olhos” tem um argumento com muito potencial, desenvolvido, todavia, sem um perfil marcante. Ainda que tenha uma estética bela e mesmo conseguindo levar o público a uma reflexão, não apresenta nada realmente chamativo ou criativo.