“PRÉDIO VAZIO” – Transcender o espaço
O cinema de terror brasileiro é inventivo, diversificado e exitoso artisticamente, mesmo que pouco celebrado em termos comerciais. Ao longo da história, a filmografia de José Mojica Marins, Gabriela Amaral Almeida, Juliana Rojas, Marco Dutra, Dennison Ramalho e Rodrigo Aragão. Todos carregam uma assinatura inconfundível em termos estilísticos, como a atenção especial dada por Rodrigo Aragão à criação de criaturas assustadoras através da maquiagem e de efeitos práticos de modo artesanal. Em PRÉDIO VAZIO, essa característica está presente e se articula, com maior ou menor eficiência, com algumas escolhas diferentes de um realizador dedicado a transcender suas marcas autorais.

Na cidade de Guarapari no Espírito Santo, as festividades de Carnaval acontecem a todo vapor. Marina viaja para o local em busca de diversão com o namorado e ambos se hospedam em um antigo prédio da orla capixaba, chamado Edifício Magdalena. Em paralelo, a filha Luna tem sonhos premonitórios e se preocupa com a situação da mãe após perder o contato com ela. Ao lado do namorado, a jovem parte à procura de Marina. Ao invadirem o prédio, conhecem a estranha zeladora Dora e o espaço habitado por almas atormentadas, que ameaçam qualquer um que adentrar por suas portas.
Desde o primeiro longa-metragem, Rodrigo Aragão se notabilizou por produzir filmes de terror que se passam na área rural do Espírito Santo, abordam a degradação ambiental, utilizam traços do imaginário popular e dialogam com tradições do gênero (em geral, criaturas típicas do horror ou das crenças brasileiras). Embora seu novo trabalho se diferencie por contar uma história urbana em Guarapari, o diretor desloca simbolicamente a locação central da cidade, dando a sensação de que o prédio faria parte de um universo à parte. O Magdalena é retratado em uma atmosfera fantasmagórica, graças aos ruídos de espíritos, à fotografia enevoada e à caracterização decadente sempre que a construção é filmada em plano geral. As distinções entre o prédio e a cidade do entorno são reforçadas pelas discrepâncias entre a abordagem realista dos espaços internos e o uso de efeitos digitais artificiais inseridos na pós-produção para os espaços externos. É o que se percebe, por exemplo, na textura do céu tempestuoso visto do último andar do edifício.
A ambientação sobrenatural é também desenvolvida por alguns elementos iniciais da trama e escolhas formais do cineasta, traços que demonstram seu interesse por experimentar possibilidades diversas daquelas presentes em projetos anteriores. São características que evocam algumas referências aos filmes de Dario Argento sob uma roupagem muito brasileira, além de incorporar aspectos próprios das histórias de casas mal-assombradas. Nesse sentido, chama a atenção a abertura que acompanha um casal de idosos em sequências sem diálogos. A senhora cuida do marido doente em uma rotina que compreende levá-lo à praia, dar banho e servir as refeições. Ao longo de momentos tão banais, o sobrenatural se manifesta, por vezes, de forma ameaçadora quando o homem vislumbra espíritos ao seu redor, em outros casos, de forma até sentimental quando a mulher tem visões do marido após a morte. O esmero na construção do envolvimento do público com os dois personagens e da tensão crescente aparece no uso do fora de campo para sugerir um perigo iminente, no reflexo de espíritos na cortina do banheiro e na criação visual das almas penadas deterioradas pela morte e pelo aprisionamento naquele inferno.
Quando a narrativa passa a dar conta do destino de Marina no edifício e a procura de Luna pela mãe, outra ideia nova se torna o enfoque de Rodrigo Aragão: a luta da jovem e do namorado para sobreviverem e escaparem com vida de um espaço fechado. A partir daí, a estética sobrenatural se encontra com uma trama de confinamento, na qual a locação ganha centralidade para o horror. Os corredores e os aposentos são filmados com uma iluminação vermelha intensa ou azul artificial, que podem levar o prédio para um universo infernal afetado por almas violentas em busca de alimentação constante. Tais criaturas surgem repentinamente, embora possam ser percebidas rapidamente em um canto pela visão periférica dos personagens (e do público) e pela movimentação sutil da câmera. Por mais que o percurso de Luna e do namorada pelo espaço seja um recurso capaz de adentrar na mitologia dos espíritos, é a violência perpetrada por Dora que se torna mais expressiva. A maquiagem e os efeitos especiais são utilizados para criar cenas sanguinolentas, que enfatizam o impacto dos ferimentos e não fazem concessões para o grau de brutalidade de uma zeladora perturbada pelo ambiente onde está.
Em contrapartida, o desenvolvimento da trama e de seus conflitos dramáticos enfraquece a experiência sensorial que a história de fuga de um espaço sobrenatural e claustrofóbico permitia. A construção do roteiro não é o maior mérito do diretor, já que a dimensão visual do horror de “Cemitério das almas perdidas“, “Mangue Negro“, “Mar negro“, entre outros, é sua qualidade mais visível. Porém, chegava a ser até então um ponto que prejudicava as obras como um todo. Em “Prédio vazio“, a tentativa de trabalhar a relação entre terror e maternidade levada às últimas consequências cria obstáculos para a maior virtude da narrativa, ou seja, a abordagem transcendental do prédio. A dramaturgia depende de uma articulação frágil entre flashbacks em preto e branco e os acontecimentos no presente, entre as diferenças entre Dora e a filha e Marina e Luna. Já o horror propriamente não se beneficia da revelação dos motivos por trás das ações da zeladora, pois os espíritos ficam em segundo plano em comparação com os perigos mundanos representados pela personagem de Gilda Nomacce. A atriz transita muito bem pela naturalização da violência e pelo desespero enfurecido dos ataques à protagonista.
Com o tempo, o esforço de tentar integrar a questão da maternidade à caracterização sobrenatural do Magdalena compromete as qualidades ou as potencialidades criadas anteriormente. A ambientação fica estagnada em determinado momento, deixando de explorar algumas oportunidades abertas, como o contraste entre a atmosfera prazerosa de uma cidade colorida e em festa pelo Carnaval e o mundo violento, sangrento e isolado entre as paredes do edifício. Além disso, a qualidade de Rodrigo Aragão no trabalho de composição de criaturas assustadoras não se sobressai tanto. Em projetos anteriores, zumbis, espíritos e outras criaturas fantásticas eram criadas pelo próprio cineasta e destacadas por uma trama e por uma abordagem visual que as colocavam no centro da imagem. Dessa vez, as almas atormentadas até são explicadas dentro do universo diegético (vítimas de mortes violentas que não conseguem deixar aquele espaço), mas são pouco aproveitadas para a experiência do terror. Tais figuras contribuem de maneira tímida para a ambientação, pois são deixadas em uma posição muito coadjuvante, e tem seus traços visuais ocultados, já que a iluminação enevoada ao redor delas dificulta a visualização.
Apesar de não conseguir explorar todo o potencial do horror suscitado pela locação e pelas almas ali presentes, “Prédio vazio” tem seu valor para a construção de momentos de tensão. A sequência final apresenta imagens expressivas visualmente, capazes de colocar em primeiro plano a violência a que Marina e Luna são submetidas. São momentos que promovem sensações pertinentes para o desfecho escolhido, sobretudo o impacto pessimista de um arco encerrado mediante sacrifícios. São cenas que possibilitam a Rejane Arruda e Lorena Corrêa aproveitarem a carga de sofrimento e esforço físico de confrontos violentos, inclusive a partir de expressões muitas carregadas e compatíveis com as necessidades do horror. E são construções visuais que se saem muito melhor para representar as relações entre mãe e filho do que as decisões factuais do roteiro. No balanço final, o filme tem qualidade maiores quando o diretor trabalha novas possibilidades visuais centradas em um espaço alheio a sua localização geográfica e menos quando vai em busca de uma profundidade temática.
