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“RAMPAGE: DESTRUIÇÃO TOTAL” – Honra o subtítulo brasileiro

A suspensão da descrença que RAMPAGE: DESTRUIÇÃO TOTAL exige é extraordinária. Há filmes que facilitam a aceitação dos fatos absurdos de um roteiro, em especial se outros elementos compensam. Seria esse o caso do novo filme de Dwayne Johnson?

Na trama, o ator vive Davis Okoye, um primatologista antissocial que nutre uma forte amizade com George, um inteligentíssimo gorila albino. Após um experimento científico, alguns animais – dentre eles, George – são afetados por um patógeno que modifica seu DNA, fazendo com que fiquem gigantes, além de raivosos. Preocupado com o amigo, Davis procura o antídoto para evitar ao máximo que os animais causem danos.

É mais um filme baseado em jogo que não dá certo: o roteiro é deveras singelo e abusa do direito de ser absurdo (a cena do helicóptero é um exemplo desse abuso, sem contar a cientificidade mais que questionável). Com um desfecho piegas (tentando disfarçar com uma piada), os vilões são unidimensionais (só faltou uma risada maquiavélica) e o roteiro é recheado de inutilidades – de personagens (nomeadamente Brett) a objetos (como a gaiola com um rato, entregue de uma personagem a outra sem nenhuma finalidade). Trata-se de um texto mal escrito, que não consegue fazer um desenvolvimento decente da sua trama.

O tema da película é a natureza humana: partindo do paradigma hobbesiano, o protagonista entende que o homem é mau por natureza, não servindo como ser social. É por isso que Davis diz que são os animais que o entendem, de modo que ele prefere passar mais tempo com eles do que com pessoas. O problema é que o assunto (isto é, o tema concretizado no enredo) não é bem explorado. Talvez a falta de habilidade cênica do carismático Dwayne Johnson colabore para esse viés filosófico não ter uma melhor abordagem, mas fato é que não fica claro por que Davis é tão descrente com a humanidade. Ainda que ele mencione um episódio marcante da sua vida, a conclusão hobbesiana não decorre apenas disso. Existe também um pretérito grandioso em relação à personagem, todavia o tratamento do assunto é feito en passant, deixando uma lacuna insatisfatória.

Diverso é o trabalho de Jeffrey Dean Morgan como o agente governamental Harvey Russell: embora surja com uma orientação personalística, uma guinada faz com que a personagem revele suas variadas facetas. O sotaque de cowboy deixa Russell mais peculiar, enquanto que a expressão de deboche fortalece a sua personalidade marcante. Também a dra. Kate Caldwell de Naomie Harris é multidimensional – e o trabalho da atriz mostra como uma interpretação boa consegue dar maiores camadas à personagem. Por sua vez, George é humanizado e brincalhão (embora nem sempre tenha graça), o que lhe distingue de várias outras personagens (inclusive humanas) – é diferente, por exemplo, do coronel, arquétipo do militar incapaz.

A direção é de Brad Peyton, parceiro de Johnson em “Viagem 2 – A ilha misteriosa” e “Terremoto – A falha de San Andreas”. Não houve um progresso em seu trabalho: o CGI é muito bom, mas o 3D é mal aproveitado em razão do excesso de uso de rack focus; personagens fazem entradas triunfais de maneira desnecessária (como no caso de Burke, interpretado por Joe Manganiello); há uma elipse pavorosa (por ser demasiadamente grande) mais ao final; e o texto introdutório quase passa despercebido, embora precisasse ser impactante. Quanto ao uso da câmera, há movimentos bem criativos, sabotados por péssimos enquadramentos. Por exemplo, no prólogo, a câmera gira no próprio eixo em um movimento quase espiral que manipula bem o espectador (outro movimento criativo aparece no clímax), entretanto o uso de planos exageradamente fechados (e eventualmente closes totalmente dispensáveis) atrapalham a visualização da mise en scène. Quando o enquadramento é mais aberto, até mesmo o 3D é melhorado. Nas cenas de ação ocorre o mesmo: um resultado caótico e visualmente poluído, boa parte em razão dos planos fechados (no clímax, porém, a ação é melhor conduzida, ficando menos desordenada). Uma tentativa falha de manipulação é na trilha sonora: ininterrupta, chega a ser incômoda.

Usando como referências “Jurassic World: o mundo dos dinossauros”, “King Kong” (nas versões de 1933 e 2005) e “Kong: Ilha da Caveira”, “Rampage: destruição total” não chega perto do impacto dessas obras e procura um espectador que ignore as crateras do roteiro. O CGI e os movimentos da câmera não compensam as fragilidades da produção, que pode parecer razoável à primeira vista, mas que é tão destruidora que destrói inclusive a si mesma.