Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

“SEX EDUCATION” [2ª TEMPORADA] – Que venha mais

* Clique aqui para ler a nossa crítica da primeira temporada.

Em se tratando de continuações audiovisuais (de séries ou filmes), o que geralmente ocorre é uma repetição do que já foi visto, com avanços discretíssimos. A segunda temporada de SEX EDUCATION, série original Netflix, é um verdadeiro deleite, exemplo de que é possível expandir e aprimorar o que já era muito bom.

Com o desfecho da primeira temporada, sabe-se que Otis engata um relacionamento com Ola e que Maeve é expulsa do colégio, encerrando a clínica dos dois. As demandas dos colegas, porém, continuam: eles ainda precisam de educação sexual.

Se, em 2019, os adolescentes precisavam enveredar pelos caminhos das relações interpessoais para aprender melhor sobre sexo, essa perspectiva é ampliada em 2020. A ignorância sobre questões atinentes à sexualidade persiste, incluindo até mesmo os adultos. Esse é o gancho utilizado inteligentemente pelo roteiro para abordar o retrocesso representado pelas pessoas que tentam impor um conservadorismo ou um puritanismo estúpido (por analogia, seria como se um governo, ao invés de fornecer educação sexual, estimulasse a abstinência para os jovens). Ao perceber a anarquia da escola, a chefe do diretor Groff, perplexa, retórica e sarcasticamente o questiona se o próximo assunto a ser abordado em sala seria o criacionismo. O primeiro grande pilar temático da obra não poderia ser outro: a importância da educação sexual. Já dizia Francis Bacon: “conhecimento é poder”.

(© Netflix / Divulgação)

Partindo dessa premissa, a série tem grande preocupação pedagógica, transitando pelos mais variados assuntos: fetiches (“ouvir baixaria”), condições biológicas (vaginismo), terminologias (assexuais, pansexuais), vícios sexuais, sexualidade na maturidade (alargando o público-alvo) etc. Comparando à primeira temporada, há maior seriedade na abordagem (o humor é reduzido). Saindo do superficial, uma personagem tem um brilhante arco dramático ao ser submetida a uma criminosa e nefasta prática que ocorre não raras vezes em coletivos. Com leveza, o sexo anal é abordado tanto no aspecto pragmático (ensinando sobre a “chuca”) quanto no emocional. Enfim, não há tabus, apenas aprendizado e reflexão.

A showrunner Laurie Nunn não resiste à tentação para adentrar em clichês motivacionais, como a importância da amizade e a ideia segundo a qual é preciso amar-se para ser amado por outrem. Da mesma forma, às vezes, a narrativa se aproveita de coincidências improváveis (o timing do triângulo amoroso em que Otis se encontra, o momento em que o diretor vê Otis com o caderno vermelho etc.) ou exagera na suspensão da descrença (como a escola conseguiu fantasias como aquelas para a peça? Como Maeve simplesmente larga o celular na casa de Isaac?). “Sex education” não é perfeita, mas é consideravelmente ousada.

Asa Butterfield continua muito bem no papel de Otis, brilhando especialmente no sexto episódio (um dos poucos com enfoque no humor). Como personagem principal, o adolescente é um herói impecável – leia-se, falho na medida certa. No geral, as personagens crescem. Jean (Gillian Anderson, ótima) se intromete ainda mais na vida do filho e tem função central na grande trama da temporada (prometendo um arco dramático denso para a terceira). Eric (Ncuti Gatwa, divertidíssimo) enfrenta conflitos internos envolvendo garotos que o atraem. Jackson (Kedar Williams-Stirling, razoável) aceita a necessidade de se impor desafios em áreas diferentes da natação.

No caso de Eric e Jackson, duas novas personagens – Rahim (Sami Outalbali) e Viv (Chinenye Ezeudu) – surgem para incrementar suas tramas particulares, ou seja, reforçam suas evoluções. O mesmo não pode ser dito de Maeve (Emma Mackey, bem mais discreta que na temporada anterior), que não evolui sequer com a participação de Isaac (George Robinson), outra personagem nova (que, por outro lado, deixa um enorme cliffhanger para a temporada seguinte). Um dos maiores problemas é que a trajetória da garota repete muito do que já foi visto, deixando-a estática do ponto de vista narrativo. Adam (Connor Swindells, convincente) tampouco progride na maior parte dos episódios, reduzindo-se a uma função antagônica mesmo não sendo mais o vilão. Sua mãe, por exemplo, tem muito mais progresso no plot.

No que se refere à estética, a fotografia e o design de produção, por vezes, se assemelham aos trabalhos de Wes Anderson, com enquadramentos centralizados e cores bem vivas. A filmagem é bem pensada, como nos diálogos iniciais entre Maeve e Erin, que não habitam o mesmo plano nos enquadramentos fechados. Quando necessário, a iluminação tem função narrativa (nos sonhos de Ola), da mesma forma que o uso das cores (o tom psicodélico de um dos sonhos é fenomenal). Sobram simbolismos, ora explícitos (como vulvas e falos no último episódio), ora subliminares (o amarelo compartilhado no vestuário de Otis e Jean no primeiro episódio, o arco-íris das roupas de Ola, dentre outros). As personagens ganham consistência a partir de ferramentas visuais, como o penteado (Rahim adota um corte no estilo “Peaky Blinders”, populares – série e corte – na Inglaterra), as cores (o cabelo de Maeve dá maior sobriedade) e o figurino (o vestido plissado de Jean ressalta o quanto ela preza pela elegância, a inseparável jaqueta de Otis representa a importância diminuta que ele dá ao vestuário).

O design de som também é trabalhado com esmero, principalmente na trilha musical. As canções escolhidas, além de muito bonitas, dialogam encantadoramente com o conteúdo das cenas. Exemplos não faltam: “Life” (Sorenious Bonk feat. Signe Mansdotter), no terceiro episódio, quando Aimee chora; “How can you mend a broken heart” (Al Green), no quinto capítulo, na cena em que Otis, Eric e Remi se entristecem no carro de Jean (cada um à sua maneira, os três estão com o coração partido); e “Mistery of love” (Sufjan Stevens), no sétimo episódio, quando Jean chora após uma conversa honesta com Jakob. As três músicas são extradiegéticas, porém a última é aproveitada como intradiegética para Eric, na cena seguinte, o que faz sentido porque o amor é misterioso tanto para Jean quanto para ele. Trata-se de um uso de raccord por associação musical, prevalecendo nos oito episódios, todavia, a associação visual em movimentos (Otis se joga de costas na floresta e cai na cama de seu quarto, Viv fecha a porta da audição de Jackson enquanto Otis e Eric fecham seus armários etc.).

Sem dúvida, “Sex education” tem em sua segunda temporada uma ampliação de seus horizontes, insistindo na ideia de que conhecimento – no caso, sexual – é poder. Mais que isso, o único limite para obtenção do conhecimento é a vontade de cada um. O aprendizado das personagens é constante: Eric aprende com Rahim quem foi Pablo Neruda, Jackson ensina as mães que alcançou o estágio de decidir sobre as próprias atividades, Maeve entende que uma competição em grupo precisa da participação coletiva. Quanto a Otis, parece que ele ainda tem muito o que aprender. Se isso significa uma nova temporada e se for mantido o nível, que venha mais conhecimento.