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“TREM-BALA” – Falta de sorte

Mesmo tendo o mesmo diretor, TREM-BALA não consegue o feito de “Atômica”, que é ser marcante. Talvez o filme de 2022 não tenha esse objetivo, talvez sequer o de 2017 o tivesse. De todo modo, enquanto este é inesquecível, aquele cai facilmente no esquecimento. Isso não significa que “Trem-bala” seja ruim, ele inclusive tem bons predicados já vistos em “Atômica”. Significa apenas que o prazer de entretenimento que ele promove é bastante efêmero. Quem sabe faltou-lhe sorte (essa afirmação logo fará sentido).

Joaninha é um assassino que decide executar suas missões de maneira pacífica. Prestes a abandonar a carreira, ele aceita uma missão de coletar uma maleta em um trem-bala no Japão. No veículo, porém, ele encontrará outros assassinos com objetivos conectados, mas conflitantes.

(© Sony / Divulgação)

O diretor David Leitch, apesar da pouca experiência (seu primeiro trabalho, não creditado, foi a codireção de “De volta ao jogo”, de 2014; seu primeiro crédito em longa foi no mencionado “Atômica”), já tem um estilo próprio bastante característico e, sobretudo, uma especialidade na ação com pitadas de comédia (foi assim em “Deadpool 2” e “Velozes & Furiosos: Hobbs & Shaw”). No caso específico da ação, sua consagrada carreira (anterior à de cineasta) como dublê e como coordenador de dublês faz com que as coreografias de luta sejam simplesmente impecáveis. Graficamente, em “Trem-bala” ele adota uma estética com cores neon e abusa de recursos como slow motion e chuva em momentos impactantes. O filme tem momentos de bastante violência (gore), que contrastam com o humor que tem também forte presença. O final do longa é literal e metaforicamente explosivo e empolgante; nesse caso, mais pela versão da canção “Holding out for a hero” que toca na sequência do clímax do que por resultado da construção até o clímax.

Leitch certamente já comprovou sua habilidade como diretor de filmes de ação, mas ainda não convenceu no desenvolvimento de uma narrativa sólida. O roteiro de “Trem-bala” é escrito por Zak Olkewicz a partir do livro de Kotaro Isaka, chamando a atenção o fato de que, a despeito de um emaranhado relativamente complexo em termos de trama, o diretor não tenha conseguido fazer um filme minimamente memorável. Como dito, as cenas de ação são boas, porém tudo é trabalhado de maneira genérica, não há personagens instigantes e suas motivações são frágeis. É interessante que o propósito de cada personagem seja distinto e que, ainda assim, haja uma convergência entre todas elas por estarem no mesmo local, porém falta-lhes personalidade – não à toa, o mesmo que falta ao próprio filme. São diversos os nomes famosos, como Brad Pitt, Joey King, Aaron Taylor-Johnson, Brian Tyree Henry, Andrew Koji, Hiroyuki Sanada, Logan Lerman, Bad Bunny, Zazie Beetz, Michael Shannon e Sandra Bullock, nenhum deles, todavia, com uma personagem digna de nota.

Com um elenco extenso como o da produção, é natural que alguns artistas tenham maior destaque do que outros. Pitt é quem encabeça a narrativa e seu papel é simpático, nada mais. King aparece como uma garota frágil na caracterização, mas não convence na atuação cuja proposta é a dissimulação. Taylor-Johnson e Tyree Henry divertem com algumas piadas (certamente não todas), mas são pouco relevantes. Mais interessante é a participação especial de um ator que serve de alívio cômico e cuja presença é uma surpresa. O filme tem a sagacidade de fazer piada com o próprio rol de personagens (como ao mencionar um objeto inanimado como se fosse uma), mas inevitavelmente apresenta um desnível entre os arcos narrativos. Na prática, a maioria das mortes não tem impacto algum mesmo quando é forçado um impacto dramático (um suposto luto incapaz de comover).

A ideia governante de “Trem-bala” repousa na noção de sorte e em outras correlatas, como azar e destino. Essas concepções combinam com a narrativa e combinam em especial na união da ação com a comédia, como na cena em que uma faca atirada acaba voltando e matando o próprio agente que a atirou. O erro do longa é exagerar na verborragia a esse respeito, inclusive rotulando uma personagem como “azarada” e outra como “sortuda”. Esse didatismo não está presente nos flashbacks, por exemplo, que são representados por sequências de suspensão bastante estilizadas através de ferramentas como quebra da quarta parede ou narração voice over (essas sequências talvez sejam as melhores do filme). Embora o longa insista em seu discurso sobre a sorte, teria sido mais estimulante evitar tal reducionismo e mencionar que a álea não é decisiva sozinha. Para isso, contudo, seria necessária uma abordagem mais inteligente dos temas extraídos da narrativa. Melhor pensar que foi falta de sorte.