“ÚLTIMO ALVO” – Simplesmente humano
A filmografia do diretor responsável por ÚLTIMO ALVO é marcada por thrillers ou dramas envolvendo o mundo do crime, em especial a criminalidade organizada. No filme, ele repete a parceria com um veterano ator especializado em filmes de ação, o que sugere bastante adrenalina, pouca dramaticidade e ínfima reflexão. Ainda que seja mais uma história de redenção, dessa vez, ela é muito mais sólida do que outros filmes similares.
O protagonista do filme é um gângster que começa a sentir o peso da idade e, com isso, tenta se reconectar com os filhos e ficar em paz com os erros que cometeu. O preço a ser pago para uma possível nova vida, contudo, é bastante caro, demandando que enfrente mais problemas do que inicialmente imaginava.

Depois do péssimo “Vingança a sangue frio”, a expectativa para “Último alvo”, repetição da parceria entre o diretor, Hans Petter Moland, e o protagonista, Liam Neeson, era consideravelmente baixa. Dessa vez, porém, o trabalho de direção é muito mais requintado. Quanto a Neeson, desde “Busca implacável” sua carreira ficou focada em filmes de ação em que ele vive um herói ou um anti-herói de eficiência extrema que com facilidade cativa o público (ainda que muitas vezes os filmes em si acabem sendo de qualidade bem duvidosa). Nos últimos anos, seus papéis, geralmente sem prejuízo da ação frenética, foram de um homem arrependido, como em “Legado explosivo” e “Agente das sombras”. Em “Último alvo”, o arrependimento está presente, porém com muito menos adrenalina (tal qual ocorreu com “De volta à Itália”).
É relevante perceber esse pequeno shift na carreira de Neeson porque demonstra um padrão de um homem que busca a redenção (e, se o faz, é porque se arrepende de algo). Com isso, é parcialmente abandonado o perfil do sujeito inabalável – aquela máquina de matar, no estilo John Wick (da franquia iniciada com “De volta ao jogo“) – para que ele interprete personagens mais suscetíveis às vicissitudes da vida, em especial o envelhecimento. Não à toa, sua caracterização (o bigode, o cabelo grisalho, o figurino fora de moda, o carro antigo) em “Último alvo” é de um homem cuja idade não recomenda o trabalho que exerce e que claramente prefere tudo à moda antiga (o senso de localização, sua opinião sobre a homossexualidade, o tratamento rude concedido à neurologista).
Nesse sentido, o roteiro de Tony Gayton constrói seu protagonista com conflitos dos três níveis. O conflito extrapessoal reside na sobrevivência contra alguém que quer matá-lo; os conflitos pessoais consistem nas suas relações sociais; os conflitos internos se referem à senescência (em especial face ao orgulho) e ao intento de redenção. O primeiro é o mais singelo e concede ação à narrativa, mas os outros são bem mais interessantes e guardam profunda conexão. É graças à sua vontade de se redimir que ele tenta se reaproximar dos filhos, o que gera tensão, em especial com a filha Daisy (Frankie Shaw). Com Dre (Terrence Pulliam), sua tentativa é de representar a figura paterna ausente e servir de exemplo enquanto pode. Também é em virtude desse desejo que ele se envolve com Loopy (Yolonda Ross, subaproveitada). Há também conflitos pessoais com o chefe, Charlie (Ron Perlman, presente apenas com seu star power), e seu filho, Kyle (Daniel Diemer), que se entrelaçam com os conflitos internos.
Liam Neeson interpreta muito bem um homem que encontra dificuldades em seu cotidiano e em seu trabalho (boa parte por força de sua condição de saúde, que vem se deteriorando), bem como na busca pela paz consigo mesmo. Do ponto de vista da paternidade, ele claramente não foi um bom pai e tem traumas com o seu próprio genitor, que lhe passou valores que ele percebe serem distorcidos. O diretor elabora uma bela contraposição simbólica: a atmosfera real tem cores acinzentadas na fotografia (o céu nublado, as cores das casas, o mar ao longe) e sons tranquilos (os ruídos dos sinos de vento e das gaivotas); já o universo surreal do sonho (o mar aberto, o céu sem nuvens e o som do violão) sugerem que a solução para os problemas do protagonista estão distantes o suficiente para habitar o onírico. Por outro lado, Moland não resiste à pieguice algumas vezes (como na cena em que Dre aprende boxe). Da mesma forma, o roteiro também comete seus deslizes, como o final previsível, o péssimo uso de narração voice over e as desnecessárias frases de efeito (como “deixa eu te dizer o que vai acontecer”).
Ainda assim, “Último alvo”, para além de transmitir bem a ideia de que algum tipo de sacrifício pode ser necessário para se redimir – o que é expresso na frase “talvez a única maneira de fazer algo bom é fazendo algo ruim” -, deixa claro que mesmo um malfeitor pode corrigir parcela de seus erros pretéritos, e que todas as pessoas têm problemas que podem ser bastante amenizados com a ajuda alheia. Dessa vez, Liam Neeson não é mais um anti-herói praticamente invulnerável ou meramente arrependido: é um protagonista simplesmente humano.


Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.