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“007 – SEM TEMPO PARA MORRER” – Aprisionamento ao pretérito

A intenção de 007 – SEM TEMPO PARA MORRER é a de encerrar um ciclo começado em 2006 com “007: Cassino Royale”. O objetivo é cumprido, mas não com louvor. Como uma locomotiva algumas vezes desgovernada, o último filme da saga Craig tem bastante ação e considerável emoção, porém não se preocupa em ir além do que já havia estabelecido e se revela aprisionado ao pretérito que criou.

James Bond se aposentou como agente do MI6. Sua aposentadoria não dura muito: um velho amigo da CIA, Felix Leiter, pede a sua ajuda em uma missão envolvendo a Spectre. O resgate de um cientista se torna o começo de uma difícil empreitada contra um misterioso vilão, Safin, que representa perigo para toda a humanidade.

Depois de dirigir o ótimo “Beasts of no nation”, o diretor Cary Joji Fukunaga tem em “Sem tempo para morrer” um longuíssimo (duas horas e quarenta e três minutos) filme essencialmente de ação. Abundam cenas de perseguição, luta, tiros, veículos variados e tudo o que comumente se encontra no gênero. Uma boa novidade é que o elenco de 007 dessa vez é mais diversificado e de personagens com relativa independência: a carismática Bond Girl de Ana de Armas é uma agente de inquestionável competência (e que infelizmente aparece pouco) e não muito interessada em James (mas na missão); a nova agente interpretada por Lashana Lynch, representa uma verdadeira mudança de paradigma em relação à série de filmes; a sexualidade do Q de Ben Whishaw não é exposta com alarde, mas com naturalidade.

(© UNIVERSAL PICTURES / Divulgação)

Caso ainda não tenha sido mencionado, o filme tem bastante ação. Sua melhor abordagem, todavia, está no suspense de algumas cenas-chave (como a do interrogatório ou mesmo o prólogo), em que a demora para revelar uma potencial ameaça é capaz de ampliar a emoção da cena. Ainda que não tenha nada realmente ruim no filme – salvo, talvez, facilidades pouco críveis (felizmente para Bond a ponte na Itália tinha tudo o que ele precisava para se esquivar dos vilões) e um humor pouco funcional (a piada com o gato de Q é desnecessária) -, o roteiro escrito por Fukunaga juntamente com Neal Purvis, Robert Wade e Phoebe Waller-Bridge não possui ousadia nenhuma. Pior do que isso, seu aprisionamento em relação ao pretérito diegético se torna um retrocesso narrativo.

Procurando algum subtexto no script, é possível encontrar, por exemplo, uma crítica à burocracia estatal: o engessamento de M (Ralph Fiennes) no comando do MI6 faz com que Moneypenny (Naomie Harris) atue no sentido que acha mais adequado. É abordada ainda a dificuldade de algumas pessoas em confiar nas outras, como é o caso de Madeleine (Léa Seydoux). Um primeiro defeito é que, salvo o protagonista, Madeleine e o vilão, os vários coadjuvantes não constituem personagens, mas funções de roteiro. É o caso de Felix (Jeffrey Wright), de quem só se sabe o gosto por charutos, e Ash (Billy Magnussen), cuja ausência de motivação é tratada com normalidade. Mesmo o vilão Blofeld (Christoph Waltz) tem importância apenas como engrenagem narrativa, sem real desenvolvimento em relação a “007 contra Spectre”. No caso do novo vilão, a falta de criatividade para o seu nome (Lyutsifer Safin) não permite que a fraquíssima atuação de Rami Malek seja seu único problema.

Tudo isso seria esquecido não fosse o apego exagerado ao backstory de Bond. Há incontáveis retornos a eventos e personagens que vêm desde “Cassino Royale” (Vesper, inclusive), o que demanda até mesmo que o espectador se recorde dos eventos dos quatro filmes anteriores a “Sem tempo para morrer”: além do já mencionado de 2006, “Quantum of Solace” (2008), “Operação Skyfall” (2012) e “contra Spectre” (2015). É positivo que o longa se preocupe em não contradizer os demais – afinal, em todos eles Daniel Craig é o mesmo James Bond -, contudo a preocupação acaba sendo excessiva e minando possibilidades voltadas para o futuro. O primeiro (dos quatro) ato(s) é exemplo da importância do passado das personagens, contudo ele também revela que a saga Craig quer criar um universo compartilhado em que tudo está conectado, algo que despe a franquia da inovação que lhe é característica. “Operação Skyfall” é facilmente o melhor dos cinco filmes porque, dentre outros fatores, é o único capaz de romper com o que parecia imutável até mesmo antes da participação de Craig (a morte da M de Judi Dench).

Evidentemente, o vilão icônico do filme de 2012 colabora com sua aura inestimável, além da canção magnífica entoada na voz de Adele. Em “Sem tempo para morrer”, a música cantada por Billie Eilish deixa a desejar por falta de punch, enquanto o vilão de Malek, como mencionado, é um dos maiores defeitos do longa. Não há dúvida que a produção é capaz de encerrar dignamente, quiçá com grandiloquência, a sequência protagonizada por Craig. Contudo, a ação em doses cavalares e a emoção dependente de um passado recortado (não há nada, por exemplo, que justifique a qualificação de Felix como “irmão” de Bond) deixam claro que o desfecho do ator no papel poderia ser melhor. E nem precisaria ter mais de duas horas de duração.