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“A COR QUE CAIU DO ESPAÇO” – Leituras sensoriais

Frequentemente, os críticos de cinema são bombardeados com a suposta necessidade de explicar um filme. Primeiramente, a crítica não se resume a revelar uma verdade oculta, pois ela precisa propor ideias que estimulem o debate. Além disso, algumas produções desencorajam explicações muito definitivas e únicas sobre o que algo significaria ou que intenção haveria por trás de sua escolha. Se não é possível expor uma leitura fechada, como seria então criticar A COR QUE CAIU DO ESPAÇO, terror psicológico adaptado de um conto de H.P. Lovrecraft?

(© Image Entertainment / Divulgação)

Longe de procurarmos respostas inquestionáveis, podemos buscar questionamentos e pistas enquanto tentamos compreender que impacto a obra pode causar. Preliminarmente, reconhecer um aspecto crucial do gênero terror pode ser importante; o desconhecido é uma de suas armas essenciais, portanto explicar tudo completamente pode ser improvável. Esse traço se amplia quando estamos diante de um material escrito por Lovrecraft, conhecido por seu estilo dentro do horror cósmico, no qual a ameaça parece imponente demais para a racionalidade humana dar conta.

O exame da sinopse também demonstra que a narrativa pode não se esclarecer a todo momento, preferindo colocar dúvidas a fornecer explicações. A família composta pelo casal Nathan e Theresa e pelos filhos Lavinia, Benny e Jack vive em uma área rural na Nova Inglaterra; eles são surpreendidos pela queda de um meteorito em seu quintal, que libera uma estranha cor capaz de infectar o ambiente ao redor e os moradores. Com o passar do tempo, os personagens se veem em uma jornada lisérgica.

Além de não construir um universo que precise justificar cada uma de suas regras, o filme também pode ser visto como um convite para múltiplas sensações. Nesse sentido, conhecer os personagens é o pontapé inicial para criar identificação e se importar com seus destinos: Nathan é o pai que teme ser uma versão do próprio pai antipático e tem suas peculiaridades (criar alpacas, por exemplo); Theresa é a mãe que precisa recuperar a confiança após o câncer ter abalado sua autoestima; Lavinia é a jovem que procura sua identidade em saberes místicos chamados convencionalmente de bruxaria; Benny é o rapaz que divide suas obrigações na fazenda com o tempo em que fuma maconha. Na dinâmica entre eles vemos tanto o afeto do casal quanto as provocações entre os irmãos mais velhos.

Com a queda do meteorito, o diretor Richard Stanley oferece entre as possibilidades de percepção a ideia de que a propriedade pode se tornar um mundo à parte, dotado de um funcionamento bastante específico (nada racional e evidente). Como afirma Nathan para a esposa, quando todos sonham juntos, isso é a realidade, mas, no caso, uma realidade fantástica em parte incompreensível. O cineasta começa a estabelecer nos detalhes mais sutis que os espaços pertencentes àquela residência se tornaram um universo independente e sem contato com o exterior: os sinais de celular e wifi não funcionam, a água do lençol freático parece contaminada, o tempo flui em uma velocidade acelerada, os animais se comportam de modo inusitado, uma névoa cerca o ambiente e possibilidades de fuga são excluídas.

Dificultar leituras imediatistas e únicas também perpassa a percepção do que seria o meteorito. Embora ofereça indícios de que seria um organismo alienígena, a narrativa não responde como seria sua forma, natureza e propósitos exatos – assim, o desconhecido do cinema de terror, o cósmico de Lovecraft e as diferentes assimilações propostas pela crítica podem se encontrar. É possível imaginar que seja uma espécie de vírus, uma criatura de outro tipo ou uma substância desconhecida, isto é, algo que a mente humana não consegue conceber. Afinal, os personagens sentem os efeitos destrutivos e enlouquecedores da rocha presa ao solo, porém não conseguem nomear a fonte desse mal, apenas perceber sua atuação a partir do que o diretor constrói (tremores de terra, ruídos constantes e incômodos, uma cor rosa de tom indescritível e “descargas elétricas” fora do comum).

Quando se supõe que Richard Stanley somente investiria na sugestão e no horror psicológico, ele reorienta seu estilo para também abraçar o gore e o explícito. Inicialmente, o cineasta se sai bem em traduzir visualmente o que o autor do material original descreve como uma cor, fazendo dela algo indecifrável, etéreo e palpável que não é exatamente nem uma luz, nem uma forma física. Em seguida, constrói os impactos dessa ameaça através da desestabilização dos protagonistas (a violência de Nathan, o mal estar de Lavinia, a desorientação espaço-temporal de Benny, a atração misteriosa de Jack por um poço e a perda do autocontrole por Theresa) e da exposição direta de imagens graficamente perturbadoras típicas do horror body, como deformidades corporais e revelação de vísceras e sangue – inclusive nessas cenas o gore reforça o perigo pelo desconhecido com planos repentinos de animais disformes e vínculos familiares pelos diálogos sobre a união da família e pelas situações extremas de proximidade entre os personagens.

Na avalanche de acontecimentos que puxa a família Gardner para a perdição, “A cor que caiu do espaço” ainda oferece mais um complemento à ideia de que o filme não precisa explicar tudo. O clímax é uma sucessão de imagens com textura e duração alteradas para evocar sensações de medo, angústia, sofrimento, desorientação, dúvida, etc. – logo, a resolução do terceiro ato foge de finais explicativos e leva o espectador a se perguntar o que pode sentir diante de tudo aquilo. No fim das contas, são estímulos grandiosos demais de uma fonte inexplicável demais para os limites humanos, restando apenas o atordoamento de um mundo singular e oculto que nos permite mais sentir do que elucidar.