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“A ERA DE OURO” – A única virtude

A ERA DE OURO poderia se apoiar nos grandes artistas (e suas respectivas músicas) que cercaram o protagonista em sua trajetória. Não é essa, porém, a opção do filme, que, nesse sentido, é mais ousado ao biografar um importante desconhecido e mantê-lo no foco o tempo todo. Entretanto, sob o manto de um tributo, o longa se torna bagunçado e tem seus maiores atributos justamente quando se apoia nos grandes artistas.

O filme consiste na cinebiografia de Neil Bogart, um homem que, dentre outras atividades, foi produtor musical. Enquanto tal, ele fundou a Casablanca Records, gravadora responsável por discos de artistas como Donna Summer, Kiss, Bill Withers, Gladys Knight, Village People, The Isley Brothers e George Clinton, dentre outros.

(© Paris Filmes / Distribuição)

A direção e o roteiro são assinados pelo inexperiente Timothy Scott Bogart, filho de Neil, que faz da sua obra uma ode ao pai para engrandecê-lo (e é dito expressamente que ele, embora não tenha sido a voz das músicas que as pessoas dançaram e ainda dançam, foi quem possibilitou que isso acontecesse), mas não por isso retratando-o como infalível. Jeremy Jordan compreende bem a proposta e interpreta Neil como a estrela que precisa ser no longa, sem espaço para mais ninguém. Coadjuvantes como Beth (Michelle Monaghan), Cecil (Jay Pharoah), Joyce (Lyndsy Fonseca), Buck (Dan Fogler), Nancy (Peyton List) e Al (Jason Isaacs), por exemplo, não têm espaço porque Neil ocupa todo o espaço. Percebe-se que o protagonista foi um homem determinado, muito familiar com a música enquanto expressão artística e engenhoso (a solução para fazer de Kiss um sucesso foi sagaz, considerando as opções da época), mas também com falhas (sobretudo quando ocorre seu declínio). O retrato, portanto, parece fidedigno.

O que se torna problemático é que na verdade o arco narrativo do herói é um verdadeiro clichê, mais ainda um clichê das cinebiografias. Desse ponto de vista, a estrutura adotada é do arquétipo da Cinderela: ascensão, queda e ascensão. O texto não é linear desde o começo, o que acaba gerando um dos maiores defeitos da obra, que se torna quebradiça e afeta por completo o ritmo. Isso ocorre principalmente logo após Neil ir atrás de Donna Summer (Tayla Parx, um pequeno brilho na sombra do protagonista), quando o nome dela leva ao nome dele – representativo de sua não explicada obsessão por Humphrey Bogart -, o que conduz a um drama de sua infância e começa um novo ciclo narrativo, mais linear. Há um crescendo, cria-se uma expectativa, mas ela é frustrada por um backstory que deveria de fato se fazer presente, mas não na hora errada.

Ainda mais problemático é o estilo bagunçadíssimo de Scott Bogart. Sua direção tem presença forte e o longa começa pelo exagero, com uma mistura de subjetividade mental embalada por “Oh happy day” com imagens ilustrativas. Em seguida, há um monólogo expositivo imenso e rápido demais para ser absorvido. A narração em voice over é ponto de partida e instrumento facilitador para o deficiente script (além disso, o narrador mente ao afirmar que a Los Angeles de 1974 foi “onde tudo começou”, dado que a história pregressa e sua continuação são bem importantes).

Como se não bastasse, o filme tem problemas muito graves de montagem. Por exemplo, na primeira apresentação da banda Kiss, surgem flashes de acontecimentos posteriores combinados com música dramática, com um corte abrupto e sem sentimento. O longa, naquele momento, ainda está no começo, então a atmosfera dramática que se tenta criar simplesmente não existe (o drama ainda é desconhecido do espectador). Minutos depois, a música lenta e a fotografia azul da dança de duas personagens, ignorando os sprinklers, é outra tentativa de criar um drama ainda não desenvolvido. A montagem é inorgânica, uma vez que, repentinamente, Neil está em uma reunião de negócios, interrompendo o ritmo. Aliás, o compasso do filme é demasiado acelerado, tornando-se cansativo. As poucas cenas mais lentas, não à toa, são as melhores, como a que Gladys Knight (Ledisi) canta “Midnight train to Georgia” e a que Neil conversa com Gene (Casey Likes, outro pequeno brilho na sombra do protagonista) no trailer. Porém, mesmo nelas, a montagem é frenética, no estilo “Bohemian rhapsody”, com um excesso de cortes e rompimentos desnecessários (“Love to love you baby” é interrompida bruscamente).

Enquanto cinebiografia, não se pode dizer que “A era de ouro” não revela quem foi o biografado. Nas intersecções com outros gêneros, todavia, a obra é ineficaz: o drama não funciona, o romance não convence (até porque a única personagem efetiva é o protagonista) e as cenas de musical dependem de Neil, que não tem a voz que se quer ouvir (ninguém quer ouvir “Last dance” cantada por alguém cuja voz não seja em nada similar à de Donna Summer). A película é corajosa por não depender dos grandes nomes e suas grandes músicas. “Bad girls”, “Dim all the lights”, “Rock and roll all nite”, “Beth”, “Lean on me” e “Ain’t no sunshine”, dentre outras, são canções que estão presentes (algumas delas têm sua concepção inclusive explicada), mas não “carregam” o filme (há no máximo um apoio circunstancial). Porém, não se pode negar que ele cresce com elas. Ainda mais precisamente, elas são o que ele tem de melhor, quiçá sua única virtude.