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“A FESTA DE FORMATURA” – Emoção e visibilidade musicadas

O que A FESTA DE FORMATURA carrega não é apenas uma bandeira (ainda que o faça fortemente), mas a visibilidade que apenas as estrelas conseguem dar. Por trás de uma história real transformada em livro e em peça da Broadway (e agora em filme) está uma realidade que não combina muito com a alegria e as cores do musical. Porém, a alegria e as cores trazem o lado bom da emoção, que também é real.

Emma está encerrando o ensino médio e seu desejo é dançar com a namorada no baile de formatura. Todavia, a Associação de Pais, liderada pela Sra. Greene, consegue impedir os casais homossexuais de irem ao evento. A vitória do grupo conservador repercute nas redes sociais e chega a um grupo de artistas decadentes, que enxergam na situação uma oportunidade de aparecer e voltar ao estrelato em boa condição. Quando eles chegam à cidade de Emma para protestar, a situação começa a sair do controle.

(© Netflix / Divulgação)

O projeto é liderado por  Ryan Murphy e carrega flagrantemente a sua marca autoral. Desde o trabalho com Jane Lynch em “Glee” já era possível perceber o talento do diretor com atrizes veteranas, dessa vez os holofotes estão com Meryl Streep, uma gigante que não precisa ser protagonista para ter o protagonismo. Sua personagem, Dee Dee Allen, pode não estar no auge da carreira, mas precisa entrar de maneira triunfante sempre – nesse sentido, a canção “It’s not about me” privilegia o timbre de Streep, que visivelmente se diverte no overacting inerente ao papel.

Na mesma toada estão James Corden, como Barry Glickman, e Nicole Kidman, como Angie Dickinson. Corden tem em Barry o reforço da ideia (clara o suficiente com Dee Dee) do ego imensurável das estrelas (se considera tão importante quanto um presidente), justificando o overacting, que, visualmente, é alargado pelos figurinos brilhantes usados pelo trio. Kidman usa lantejoulas e paetês como os dois colegas, porém seu papel é muito menor, como se estivesse lá apenas para fazer companhia aos amigos. A falta de personalidade da sua personagem é tão descarada que até mesmo seu único ato musical, “Zazz”, é uma cópia assumida do jazz de “Chicago” (ainda que exista uma justificativa nesse caso).

No elenco de apoio estão ainda Kerry Washington, Keegan-Michael Key e Andrew Rannells. Contudo, apenas Washington realmente merece elogios, evitando o exagero ao interpretar uma vilã tão real quanto alguns políticos brasileiros – ironicamente, seu figurino é de cor rosa em praticamente todas as cenas, seguindo a máxima estúpida segundo a qual “menino veste azul e menina veste rosa”. Key tem um papel instrumental; Rannells não chega sequer a isso – embora seu ato “Love thy neighbor” seja o melhor no que se refere à mensagem (não à mise en scène, ressalte-se) ao apontar a hipocrisia daqueles que leem a Bíblia por tiras, selecionando os pecados da maneira mais conveniente para conservar os próprios preconceitos. Do ponto de vista da unidade estilística, “Dance with you” é o ápice do musical, não apenas porque foge da grandiloquência cansativa de atos como “Changing lives” e “The acceptance song”, nem porque abre espaço para jovens e promissores talentos como Jo Ellen Pellman e Ariana DeBose, mas porque mergulha no centro de tudo o que “The prom” (nome original do longa) significa.

É interessante que o roteiro de Bob Martin e Chad Beguelin tenha alguma densidade no subtexto. O ego desmedido das estrelas – e o contraponto com o impacto da crítica, de um lado, e a politicagem das premiações, de outro – e o ativismo como forma de redenção são temas razoavelmente explícitos, porém uma segunda camada permite observar assuntos periféricos enxergados com viés igualmente crítico – por exemplo, a visão romântica dos fãs em relação aos seus ídolos (Dee Dee não é sua personagem, assim como Streep não é Dee Dee), o poder das mídias sociais (é assim que os artistas chegam a Emma), a universalização do humano (Barry encontra gays em aplicativo de encontros no celular, contrariando a ideia ignóbil de que não haveria homossexuais na cidade além de Emma) e a humanização dos artistas (algo necessário em termos formais, já que Dee Dee, Barry, Angie e Trent têm seus arcos dramáticos individuais, inflando a trama, contudo, em demasia).

A festa de formatura” tem DNA estadunidense (quase que de maneira literal, no caso da roupa de Trent em uma cena), afinal a cultura do país dá importância enorme para os bailes de formatura de ensino médio. A repercussão do caso real, em que o Judiciário precisou intervir, certamente explica a semente de um debate que, na verdade, é universal. Técnicas como o uso de expressões maliciosamente distorcidas (“baile inclusivo” substituído por “baile homossexual”) e a subversão perversa da preceitos básicos (“estão tirando a nossa liberdade de escolha”, diz a Sra. Greene) são estratégias usadas há muito tempo em diversos lugares do mundo. O reacionarismo usa a mesma linguagem, independentemente do idioma. A metalinguagem do musical é perspicaz ao apontar que a visibilidade de artistas pode alavancar uma causa altruísta. Pode não ser um musical de roteiro engenhoso, músicas inesquecíveis ou coreografias encantadoras (nesse quesito, por sinal, o filme deixa muito a desejar ao não colocar as estrelas nas danças difíceis), mas é um musical que injeta emoção em uma questão sensível e que tem como trunfo grandes nomes que lhe garantem visibilidade.