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“A GUERRA DO AMANHÔ – Grandioso até a página dois

Em muitos aspectos, A GUERRA DO AMANHÃ é um típico blockbuster arrasa quarteirão. A escala dos acontecimentos, os efeitos visuais e o orçamento são as evidências imediatas que demonstram o quanto o novo filme original Amazon Prime Video uma experiência grandiloquente. Para além dessas percepções precoces, a narrativa também assume um tom épico ao reunir um número elevado de abordagens: invasão alienígena, viagem no tempo, história de guerra, filme de ação e drama familiar. Quando o escopo é tão amplo assim, a coesão entre as partes que formam o conjunto se faz muito necessária para dar equilíbrio ao projeto. É justamente a inserção de tantos elementos que fazem com que essa ficção científica tenha uma ambição maior do que suas potencialidades.

(© Amazon Prime Video / Divulgação)

No ano de 2051, a humanidade está perdendo uma batalha global contra aliens que invadiram a Terra. Porém, o presente da narrativa é em 2022, quando militares e civis são transportados para o futuro para se juntar a uma luta que visa à sobrevivência de toda a espécie humana. Entre as pessoas convocadas para a missão, está o ex-soldado e agora professor de Biologia Dan Forester, um pai de família que vai contra sua vontade para os conflitos. Ao chegar ao local da batalha, o futuro é muito mais imprevisível do que eles sequer imaginavam.

Antes dos créditos iniciais, o diretor Chris McKay introduz pontos importantes para o desenvolvimento dos conflitos dramáticos. A primeira sequência se passa na festa de Natal na casa de Dan, onde ele, a esposa Emmy e a filha Muri recebem convidados, oferecem uma refeição e assistem a um jogo da Copa do Mundo de futebol. No primeiro momento, é possível observar a frustração do protagonista ao não conseguir uma vaga para trabalhar em um laboratório do setor privado e a boa relação na família Forester, exceto pela ausência do pai de Dan, que abandonou o filho quando este era mais jovem. O que seria um momento agradável é interrompido quando soldados do futuro surgem inesperadamente no campo de futebol, avisando que precisam da ajuda de todos para enfrentar a ameaça externa. Por mais que a integração entre a encenação de uma partida de futebol e efeitos visuais da viagem do tempo não seja tão bem resolvida, já fica evidente que os dramas familiares e a questão científica estarão na base da trama.

Definido o eixo central na qual o filme irá girar, o roteiro trabalha desdobramentos interessantes de uma premissa que envolve o embate futuro entre seres humanos e alienígenas já conhecido antes do início do conflito. Em especial, o peso que o futuro pode exercer sobre o presente, já que a sequência dos programas jornalísticos repercutindo a notícia bombástica indica que pessoas comuns podem ser convocadas para a guerra e serem forçadas a se alistar. A partir daí, alguns debates são levantados: o que fazer com cidadãos que voltam do futuro traumatizados por algo que, em teoria, não viveram ainda naquela realidade? como lidar com um movimento pacifista que questiona a participação em batalhas que nem começaram naquela versão do mundo? quem gostaria de saber como será seu futuro? de que modo ajudar adolescentes que não veem sentido na vida se dali a trinta anos o planeta será destruído?

Com a entrada de Dan no exército, pode-se conhecer mais sobre as regras de um universo que trabalha a viagem no tempo acoplada a uma história de invasão extraterreste – por exemplo, a tecnologia empregada para os saltos temporais, a missão delimitada em sete dias para cada indivíduo, Dorian como um sujeito já envolvido na terceira missão e a formação de uma equipe improvisada de soldados. Dessa maneira, temos figuras clássicas de uma trama militarista, como o líder, o inexperiente e o truculento, respectivamente encarnados por Dan, Charlie e Dorian. Quando a narrativa incorpora marcos típicos dos filmes de guerra, os problemas são maiores: Edwin Hodge até pode funcionar para o papel de militar ríspido, mas Sam Richardson destoa como alívio cômico; os confrontos com os aliens parecem enfraquecer o impacto das mortes devido ao uso do slow motion nas cenas de ação e à ocultação das consequências violentas dos ataques (muito em função da classificação etária ser quatorze anos); e a estilização tão grande das imagens à la Zack Snyder e Michael Bay (como no fim da terceira sequência de ação) que parece vibrar com a guerra.

Quando Chris Mckay não referencia construções arquetípicas dos filmes de guerra e se concentra na ação em si, o resultado é o inverso. Chris Pratt é uma escolha acertada para protagonizar esse tipo de produção, considerando-se seu carisma e suas possibilidades corporais para cenas de maior exigência física. As criaturas são trabalhadas de forma a ressaltar o perigo real que geram e a dificuldade de derrotá-los, principalmente através da sua caracterização monstruosa e de seus movimentos incontroláveis e agressivos – é também interessante como a aparição dos monstros na primeira sequência dialoga com convenções do terror, ao adiar sua revelação o máximo possível para imprimir tensão. Além disso, o cineasta tem consciência de que não precisa acumular sequências de ação ininterruptas para tornar a narrativa dinâmica e intensa, já que ele distribuiu ao longo de duas horas e vinte minutos quatro momentos assim. Sendo que os três primeiros são grandiosos, organizados dentro da mise-en-scène, donos de uma energia considerável e filmados com planos gerais capazes de evocar a devastação do planeta.

Outros dois elementos correm paralelamente à abordagem de ficção científica e se conectam com traços apresentados no início do primeiro ato. Novamente apenas parte das tentativas da obra de amplificar os conflitos dramáticos se resolve dentro do universo fílmico. Não satisfeita em tratar a guerra contra os alienígenas e a viagem no tempo, a narrativa busca também combinar os dramas familiares à discussão das interferências do futuro sobre o presente, algo que não se sustenta tão bem ao depender dos diálogos expositivos e da manipulação emocional simplificada da trilha sonora para causar algum efeito – nesse sentido, as relações entre pai e filho, pai e filha não aproveita as presenças poderosas de atores gabaritados como J.K. Simmons e Yvonne Strahovski. Já no que se refere ao desenvolvimento dos confrontos entre humanos e alienígenas, há uma subtrama de valorização da ciência que repercute na atualidade e demonstra que o militarismo não é a única possibilidade de enfrentamento de uma ameaça (por mais que a ação conclua os desafios colocados, a pesquisa científica responde lacunas e direciona a ação).

Chega a ser irônico, então, que o clímax no terceiro ato seja encenado de forma contida sem precisar da grandiloquência das sequências anteriores ou das tentativas de combinação de muitos elementos dramáticos. Mesmo que a última sequência de ação tenha consequências grandiosas, ela ocorre em uma área afastada, com poucas personagens e tendo uma dinâmica mais menos épica que as predecessoras. De certa maneira, é um momento sintomático de como “A guerra do amanhã” propõe uma experiência mais marcante quando se concentra na adrenalina dos confrontos entre a humanidade e os alienígenas e no subgênero de viagem no tempo; quando tenta algo além dialogando com filmes de guerra e com arcos emocionais, falta maior substância ou uma abordagem estética menos desgastada. Logo, o projeto parece mais habilidoso em lidar com a dimensão grandiosa dos seus acontecimentos do que com o universo inchado de aspectos que tenta construir.