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“A HORA DO DESESPERO” – Não precisa ter muito para fazer muito

Existem filmes em que os envolvidos parecem acreditar que uma estética nababesca, por exemplo com cenários milionários, é suficiente para obter um bom resultado. Geralmente, são as produções de grande orçamento e que se revelam ocas. Não é esse o caso de A HORA DO DESESPERO, longa que se utiliza de poucos elementos para mostrar que não precisa ter muito para fazer muito.

Após o recente falecimento de seu marido, Amy se esforça para cuidar sozinha de seus filhos, uma criança, Emily, e um adolescente, Noah. Em uma manhã como qualquer outra, depois de iniciar uma corrida pela floresta da cidade, ela recebe uma notificação em seu celular de que a escola de Noah está em lockdown em razão da presença de um atirador. Distante do local e mediante o uso intenso de seu celular, Amy se desdobra para, enquanto corre até lá, tentar descobrir se Noah está bem.

(© Paris Filmes / Divulgação)

Dentro da sua proposta, “A hora do desespero” se permite pequenos deslizes, sobretudo em relação ao roteiro. Christopher Sparling emprega algumas facilidades narrativas, como a sorte de Amy de se deparar com pessoas colaborativas, de um colega de trabalho a completos desconhecidos. Entretanto, esta é uma falha de pouquíssima relevância, primeiro porque pode ser incluída na suspensão da descrença, e segundo porque o longa precisa ser narrativamente singelo para manter a coerência. Em outras palavras, um texto mais rebuscado poderia destoar do plot minimalista e, ainda mais grave, poderia ofuscar aspectos de maior relevância. Talvez fosse benéfico explicar melhor a profissão da protagonista, porém os oitenta e quatro minutos são suficientes para não deixar pontas soltas.

Isso não significa, porém, que o roteiro é ruim. Pelo contrário, ele é força motriz da tensão muitíssimo bem trabalhada pelo diretor Phillip Noyce. É importante perceber que o script rejeita a reflexão fácil concernente à responsabilidade pessoal de Amy. Se ela não tivesse insistido para Noah ir à escola, talvez sua empreitada não existisse, raciocínio que o texto poderia ter enfatizado. Todavia, a escolha de Sparling é muito mais sutil e, justamente por isso, mais inteligente. De maneira engenhosa, já nos minutos iniciais o roteiro aponta para o seu retrato do Zeitgeist, notadamente no que se refere ao uso de celulares. Amy pode ter tirado a manhã para espairecer e se exercitar, mas recebe diversas ligações, reflexo de uma realidade em que é muito difícil se desligar da sociedade. Ironicamente, alguns de seus diálogos são com a inteligência artificial do celular, que pode ser uma ferramenta extremamente útil (é como ela vê notícias e se envolve nos acontecimentos mesmo à distância), mas também uma fonte de agonia (a imprecisão do tempo de chegada de um carro, a limitação da internet e da bateria etc.).

Igualmente positiva é a adoção do ponto de vista exclusivo de Amy, o que facilita bastante a identificação cinematográfica secundária, abre caminho para a suspensão da descrença e permite que o espectador se surpreenda. Ao ficar ao lado da protagonista – interpretada por Naomi Watts, em ótimo desempenho -, o espectador se torna tão sugestionável quanto ela, suscetível a conclusões que nem sempre condizem com a realidade. Não existem grandes plot twists, mas o trabalho de tensão crescente que o diretor imprime é espetacular. Amy corre por uma estrada vazia, de modo que o trânsito de viaturas policiais na direção contrária é apenas um passo inicial para uma atmosfera de progressiva aflição. Quanto mais a heroína encontra obstáculos em seu caminho rumo à escola de Noah, mais o público permanece aflito.

A mise en scène é exemplar, com uso adequado de plano holandês no aumento da tensão e de pouca profundidade de campo no acréscimo do drama. Assinada por Fil Eisler, a trilha musical é impecável no trânsito das emoções transmitidas pela película, que vão da ação ao drama, prevalecendo, contudo, o suspense. Apesar da constante mudança das músicas, o mesmo não ocorre com os cenários, o que funciona muito bem. No aspecto sonoro, a intenção é conduzir as emoções do espectador; no visual, manter a sensação de desolação que Amy demonstra na repetição de tudo o que a cerca – isto é, a mesmice da linda paisagem outonal (árvores e folhas, trilha e estrada) é usada como fonte de angústia.

Naomi Watts quase não contracena com ninguém diretamente, seu figurino é praticamente um só, assim como o cenário, e as músicas, todas instrumentais, são meramente descritivas. Nada disso importa, o que é importante é que “A hora do desespero” é um thriller emocionante que prende o espectador até o final. É um filme que comprova que o qualitativo não precisa depender de quantitativos.