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“A PRIMEIRA MORTE DE JOANA” – A conquista em se permitir ser leve

O cinema de libertação juvenil não é nenhuma novidade, fértil na exploração de jornadas de auto descoberta. Capaz de trabalhar a libertação de aspectos mais íntimos, e se colocar como porta voz desse tumultuado processo, essa esfera já recebeu variados eixos na Sétima Arte. Fossem esses mais estéticos ou naturalistas, encontraram muitas maneiras de se abordar a juventude, temática tão particular quanto intimista, e atravessada por todos. dentro desse escopo, e apesar das boas conquistas, A PRIMEIRA MORTE DE JOANA acabe se contentando com pouco.

Após perder a tia-avó, a jovem Joana passa a investigar uma curiosa, e suposta verdade: a mesma jamais teria tido sequer um namorado. Ela começa a explorar as entrelinhas de sua família, atenta às figuras femininas em sua vida e em como certas práticas influenciam a sua própria vida. Quando ela passa a questionar a relação que mantém com a melhor amiga, Carolina, a garota descobre segredos sobre si mesma.

Dirigido por Cristiane Oliveira, é interessante como a obra valoriza o espaço em que se ambienta, adotando o subtexto das construções eólicas. Ao se passar em uma pequena comunidade do sul brasileiro, o filme adota resquícios do colonialismo alemão – e que interferem, ainda que em segundo plano, no conservadorismo envolvido no conflito da trama – e, especialmente, o signo invisível do vento para tratar da transformação.

(©️ Lança Filmes / Divulgação)

É nesse termo último que o filme se escora primoridialmente. Partindo de uma passagem entre a vida para a sua finitude, a mudança é um satélite constante na vida da protagonista. Quem bem adiministra essa pressão é a carismática Letícia Kacperski, que traz uma leveza até original em sua interpretação.

As questões que se apresentam são sempre atravessadas com curiosidade, presente em seu olhar sereno e investigativo. É como se o filme resistisse à uma abordagem dramatúrgica tradicional. Embora algumas das figuras arcaicas, como a presença vigilante da mãe, imperem essa tensão narrativa, a jovem atriz consegue desarmar essa atmosfera carregada.

Isso impede o filme de pender a certos maniqueístas, jamais tentando justificar a complexidade dos assuntos debatidos pela conveniência dos discursos religiosos, costumes paternalistas ou demais visões limitadas de vida. Tem-se assim a inibição de círculos antagônicos, o que permite o foco concentrado em Joana e, especialmente, no modo delicado com que se relaciona com Carolina.

Essa dinâmica juvenil – e que revela igualmente o talento de Isabella Bressane – que flutua pelas estradas da pequena cidade, comparada aos planos pacíficos de fluxos aquáticos e, nos piores casos, trancafiada em pequenos quartos e vítima de enquadramentos fechados – cuja compressão se equipara a incapacidade de alguns compreenderem aquele laço que varia entre a paixão e a amizade – é talvez a força motora do filme. A direção é sábia em atribuir a sua liberdade a ela, guiando essa conexão por uma ótica mais pura e que evita, em sua maioria, remeter às histórias tradicionais de preconceito.

Apesar dos méritos nessa forma particular de se conduzir os seus assuntos, falta escopo em certos aspectos. Por mais que não seja a principal intenção do projeto, o discurso religioso que aparece no roteiro acaba extremamente esfacelado, munido de seu verdadeiro potencial e que poderia ainda alavancar um maior contraste entre as diversas mulheres do núcleo de Joana.

A aproximação de sua mãe com a Umbanda, especialmente no modo em que ela se aproxima de um de seus representantes, por exemplo, acaba abandonada, problemática que também acomete a própria construção da figura da tia-avô. Embora renda passagens interessantes, que remetem inclusive a uma atmosfera lúdica, ela aparenta ter a sua amplitude como elemento disparador sabotada. Mesmo assim, não há como negar que “A primeira morte de Joana” é uma interessante perspectiva brasileira a respeito do amadurecimento feminino. O filme conquista especialmente por sua leveza, que autoriza esse tipo de narrativa a ser trabalhado através de óticas mais intimistas e distantes de uma massificação dramatúrgica.