“A REVOLUÇÃO EM PARIS” – Blockbuster francês
“Os homens nascem e são livres e iguais em direitos”. Esse é um excerto da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada na França, em 1789. A REVOLUÇÃO EM PARIS é um filme que retrata os primeiros episódios da Revolução Francesa, na consciência de que foi um evento que reverberou no mundo inteiro. Talvez essa grandiosidade seja a maior falha do longa.
Na trama, populares se reúnem para reivindicar que o Rei Luís XVI saia da Versalhes, abandonando a pompa e o luxo, para que veja a miséria que passam em Paris. Para fazer pressão, se reúnem e vão para a Assembleia Nacional, clamando por mudanças. Os deputados, contudo, não estão dispostos a mudar o status quo.
Após um prólogo ilustrativo da função do monarca (que, em tese, deveria servir seu povo, não ser servido por ele), o filme efetivamente começa com o evento historicamente conhecido como Queda (ou Tomada) da Bastilha. Com essa mola propulsora do plot, Pierre Schoeller (que dirigiu e roteirizou o longa) exibe com vigor o otimismo com o qual o Terceiro Estado (todos que não pertenciam ao clero ou à nobreza e que, portanto, não gozavam de privilégios) via o novo tempo que se aproximava. A luz do Sol alcançando as pessoas em uma rua escura (que ficava na sombra da Bastilha) é o símbolo da mudança.
Mais adiante, surgem diversas outras metáforas visuais, como um bebê e o artesanato do vidro – o primeiro simboliza o advento de uma nova era na França do ponto de vista político; o segundo, o trabalho árduo para se chegar a um instrumento, o que, de certa forma, traduz a Revolução. Impressiona como Schoeller se esmera para tornar o filme verdadeiramente nababesco, ora pelo luxuoso design de produção, ora pelo elenco estelar (para os padrões franceses, evidentemente) ou mesmo por cenas paradigmáticas. A cena da marcha para Versalhes é exemplo de reconstrução histórica de um momento fundamental que ganha a grandiosidade que merece. Porém, essa grandiosidade também tem um aspecto negativo.
O elenco é composto de alguns dos maiores nomes do cinema francês atual, como Adèle Haenel, Gaspard Ulliel, Laurent Lafitte, Olivier Gourmet, Louis Garrel, Céline Sallette, Niels Schneider e Denis Lavant. O desdobramento ruim disso não poderia ser mais previsível: muitos nomes e pouco espaço para todos. Garrel interpreta a versão jovem de Robespierre – à época, idealista e desrespeitado por alguns, além de pouco conhecido (o que gera uma piada com seu nome) -, aparecendo mais pela sua notoriedade na História do que pela participação na estória. Sallette e Schneider quase passam despercebidos. O mesmo não se aplica a Lavant porque ele é um ator com personalidade suficiente para chamar a atenção mesmo em papéis minúsculos.
Por outro lado, os demais conseguem ter mais tempo de tela – o que não necessariamente acaba sendo positivo. Gourmet se destaca pela atuação sempre consistente, mas o papel é raso e sem função narrativa (salvo por uma cena impactante, que, ainda assim, não chega a ser um arco dramático próprio). O mesmo não pode ser dito de Lafitte, que interpreta Luís XVI. Em um de seus melhores trabalhos, o ator compreende o inconformismo do monarca que não se interessa por seu povo e que é capaz dos atos mais humilhantes para se safar. É preciso olhar com os olhos do Rei, em uma época em que qualquer demonstração de fraqueza poderia ter enormes consequências – o que, nessa perspectiva, justificava o distanciamento do Terceiro Estado e a vida em Versalhes. O Palácio, por sinal, aparece um pouco para enriquecer ainda mais o soberbo design de produção da película (certamente o que ela tem de melhor), sendo fascinante ver a participação especial do Rei Sol naquela que foi a sua morada.
Quanto a Haenel e Ulliel, se a perspectiva adotada pelo filme – uma História vista por baixo, ou seja, das camadas sociais mais populares – é cativante, a ausência de arco dramático sólido para as respectivas personagens acaba sendo incômoda. Ela vive Françoise, uma mulher de muita fibra e que participa bastante da movimentação civil, a despeito de muito sofrimento em seu backstory (resumido a uma cena, porém suficiente para impactar). Sem dúvida, ela é a personagem mais interessante e melhor desenvolvida, de modo que Haenel entrega o melhor desempenho do cast. A atriz está excelente. Diversamente, Ulliel tem em Basile um criminoso, o que, para a sociedade da época (e não apenas na época) o colocava na camada mais baixa possível, estigmatizando-o, literal e metaforicamente. Contudo, politicamente, seu engajamento é bem mais modesto; o que parece é que ele foi introduzido (em vão) na narrativa para que Françoise não ficasse isolada.
O que se tem na produção é uma narrativa deveras interessante, porém dispersa com tantas informações e tantas personagens. Os saltos temporais são desconfortavelmente aleatórios (inclusive graficamente, pois algumas datas são precisas, outras, nem tanto; melhor seria adotar um padrão), algumas cenas são repetitivas (como as discussões na Assembleia Nacional) e as cenas mais trágicas não têm contundência porque não há aprofundamento nas personagens. Tudo isso soa como um blockbuster típico de Hollywood, que tenta enlatar mais material que a embalagem comporta. Mas “A Revolução em Paris”, de certo modo, é isso mesmo: um peculiar, ainda que interessante, blockbuster francês. Sobra pompa, falta emoção.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.