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“ABRACADABRA 2” – A magia não envelhece

Assim como o primeiro filme, em sua essência, ABRACADABRA 2 é um filme sobre vínculos afetivos. A continuação faz uma homenagem razoável ao longa de 1993 (com um atraso de vinte e nove anos), com sutis atualizações em termos de representatividade e tendo a sororidade como mola propulsora. Pode não ter a magia do original, mas mantém a magia do entretenimento leve e divertido.

Vinte e nove anos se passaram desde que Max acendeu a vela da chama negra e ressuscitou as irmãs Sanderson do século XVII. Agora, elas retornam da mesma maneira em busca de vingança, cabendo a três adolescentes salvar Salém de terríveis e temíveis bruxarias.

(© Walt Disney Pictures / Divulgação)

O que o primeiro filme tem de mais importante está de volta: o trio Bette Midler, Kathy Najimy e Sarah Jessica Parker retornam para seus papéis de, respectivamente, Winifred, Mary e Sarah Sanderson. É palpável o sentimento de diversão das três com suas personagens, a que se entregam com o mesmo afinco do que fariam com personagens sérias de um filme voltado a um público mais velho. Winifred comanda o trio com seus poderes sobressalentes, de modo que Midler canta e encanta ao encarnar uma maldade hilária pelo seu exagero. A bruxa é um dos melhores trabalhos da profícua carreira da atriz. Isoladamente, Mary e Sarah têm importância menor quando comparada à produção de 1993, porém a magia realmente acontece quando elas estão juntas, seja pelas entradas triunfantes (o efeito de luzes com número musical é excelente), seja pela interação entre si (geralmente, pela ingenuidade ou mesmo estupidez das mais novas face à suposta sagacidade de Winifred). De todo modo, faltou espaço para as individualidades, como o faro de Mary e os flertes de Sarah.

O longa faz um paralelismo com o trio de adolescentes Becca (Whitney Peak), Izzy (Belissa Escobedo) e Cassie (Lilia Buckingham), que seriam versões boas, mais jovens e atuais das três bruxas. Elas inclusive usam as mesmas cores (verde para a principal e rubras para as secundárias) – nesse quesito, aliás, teria sido mais interessante dar uma aparência mais velha ao figurino das Sanderson, dado que elas vieram de um tempo longínquo com o mesmo vestuário. Assim como no caso das bruxas, em que o espaço da principal é imensamente superior, Izzy e Cassie são quase irrelevantes sozinhas, salvo em relação à segunda, cujo backstory com as outras duas serve de ponte para o subtexto da sororidade. As sutilezas permitem perceber um viés bem contemporâneo.

Esse viés se faz presente pela escolha de uma atriz negra para o papel de Becca, mas também pela redução das figuras masculinas. Mike (Froy Gutierrez) é praticamente um vilão ao afastar Cassie das amigas; o problema aqui, porém, é uma construção frouxa desse backstory, sem desenvolvimento. Gilbert (Sam Richardson, outro ator negro, representatividade ausente no primeiro longa), sarcasticamente auto-intitulado “o Grande”, funciona também como uma espécie de vilão, quando relevante. Doug Jones retorna no papel de Billy Butcherson, mas sua função é mais de homenagem ao trabalho anterior do que construção de algo na sequência. Quanto a Tony Hale, ele diverte pelo seu jeito naturalmente espalhafatoso, mas não sai muito disso. O filme critica (verbalmente ao menos uma vez, inclusive) o patriarcalismo que impõe às mulheres o casamento (Winifred não podia sequer escolher seu noivo!) e a indústria de beleza que exige delas a juventude eterna, sendo possível perceber uma associação entre puberdade e emancipação feminina.

Entretanto, nem o roteiro de Jen D’Angelo, David Kirschner e Blake Harris, nem a direção de Anne Fletcher, pretendem elaborar uma obra panfletária. A camada mais superficial do longa envolve um humor inofensivo, como em relação às mudanças tecnológicas – por exemplo, as portas automáticas e o uso do robô aspirador (este como arma de Chekhov, bem inteligente) – e, o que é mais importante, a inserção das Sanderson em um mundo à parte, no qual existem perversidades como afogamentos e envenenamentos, sempre com um amadorismo desprezado por elas. A direção e o roteiro se preocupam bastante em homenagear e respeitar o original, o que é feito através da repetição de elementos (a vela da chama escura, o círculo calmante, o grito desafinado chamando o livro, o caminhar tortuoso e conjunto etc.) ou mesmo de cenas, apostando, com acerto, na memória afetiva.

Falta à continuação, todavia, a ousadia de realmente inovar; talvez a maior inovação seja o trabalho do livro praticamente como uma personagem autônoma. Apesar das ótimas músicas (com destaque para “The witches are back”, paródia de “The bitch is back”, de Elton John, e “One way or another”, tão bem encaixada quanto “I put a spell on you” no longa anterior), os números musicais são inferiores. Além disso, o uso de ferramentas do terror, como jump scare e plano holandês, é feito sem critério. A proposta de “Abracadabra” sempre foi de um gênero híbrido entre a fantasia, o terror, a comédia e o musical, contudo a sequência, comparada à versão de 1993, não tem o mesmo êxito em nenhum dos gêneros. Falta a “Abracadabra 2” a magia do original, cuja potência é tão grande que se prolonga mesmo vinte e nove anos depois. Afinal, a magia não envelhece.

Em tempo: há uma cena pós-créditos.