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“AD ASTRA” – A (in)evitabilidade do vazio da solidão

Desde os cults 2001 – Uma Odisseia no Espaço” e “Solaris“, até os populares “Gravidade” e “Perdido em Marte“, o cinema se interessa pela vastidão do espaço. Pode ser o interesse pelos dramas evocados pelo desconhecido ou pela ciência especial de uma área onde o som e as leis conhecidas da física não se aplicam. Qualquer que seja a abordagem, AD ASTRA se inicia tendo a difícil tarefa de ser comparado aos demais filmes. Mesmo que a recepção a ele tenha sido morna, seus objetivos dramáticos de interligar conflitos pessoais e filosóficos atingem resultados que mereciam maior atenção.

(© Fox Film do Brasil / Divulgação)

Em um futuro não determinado, Roy McBride viaja pelo sistema solar para encontrar seu pai desaparecido, o lendário cientista Clifford McBride. Ao realizar experimentos científicos para investigar a existência de vida inteligente no universo, Clifford pode ter liberado raios cósmicos responsáveis por gerar acidentes na Terra. Enquanto percorre essa jornada, Roy também se depara com embates interiores acerca da relação com o pai.

A articulação entre o íntimo e o geral começa com o enquadramento e a caracterização do protagonista e de seu modo de ser. Roy é um sujeito extremamente introspectivo e comedido que, aparentemente, não se exalta emocionalmente nem altera os batimentos cardíacos quando passa por missões arriscadas (algo repetido em cenas do primeiro ato que mostram avaliações físicas e psicológicas inalteráveis após sofrer um acidente e ser atacado na zona de guerra na Lua). De maneiras complementares, a atuação de Brad Pitt revela o desafio de apagar os sentimentos com sempre o mesmo tom de voz e expressões faciais impassíveis; e a direção de James Gray ressalta o confinamento das emoções do personagem com closes e planos médios, além de compará-lo com a magnitude do espaço filmado em planos gerais. Assim, tanto o homem quanto o ambiente ao redor parecem constituídos de um grande vazio.

Entretanto, o paralelo entre o protagonista e o universo demonstra que há emoções na história, todas elas controladas rigorosamente para não expor as intimidades do explorador. Inicialmente, a narrativa insinua apenas um estilo contemplativo (silêncios, narração em voice over de Brad Pitt e planos poéticos dos planetas) para, em seguida, ser invadida por algumas cenas de ação. Estes momentos, construídos por uma bela mixagem de som integradora da trilha sonora, das comunicações de rádio e dos ruídos abafados de explosões, possuem um sentido dramático maior do que uma justificativa científica: importa menos saber sobre piratas espaciais na Lua ou sobre a existência de outras espécies animais no espaço, pois cada uma dessas sequências alcança o percurso emocional de Roy e suas mudanças.

O homem frio e inexpressivo não se mantém assim eternamente. A fuga dos piratas até pode ter causado pouco impacto, mas o ataque ao capitão da nave que o transportava até Marte desencadeou sentimentos outrora reprimidos. Ocasionalmente, é possível identificar na narração em voice over uma descrença na humanidade – ela explora planetas e guerreia por recursos até a milhões de quilômetros de casa – que se confirma no exame psicológico após a morte do companheiro: aparenta ser impessoal porque oculta a ira e a dor guardadas desde que o pai abandonou a família e desapareceu em missão. Portanto, o filho se ressente da partida da figura paterna, ao mesmo tempo em que processa o sentimento paradoxal de querer encontrá-lo e também esquecê-lo. James Gray costura no roteiro, assinado por ele em parceria com Ethan Gross, essa conturbada relação entre pai e filho ao longo da narrativa.

A partir daí, o cineasta utiliza outras estratégias para contar visualmente a liberação de sentimentos de Roy. No primeiro ato, a fotografia emulava a visão à distância do espaço com imagens semelhantes a de outros filmes de mesma temática; posteriormente, a iluminação ganha cores, tons e propostas mais inventivas esteticamente (o vermelho exacerbado que circunda Marte e a atmosfera agradavelmente natural dos quartos de relaxamento na estação). Além disso, os closes passam a captar traços de emoção do protagonista, que crescem de lágrimas incontidas até um choro incontrolável e um tom de voz acalorado. Por mais que se esforce para o contrário, não há mais como abandonar a jornada passional em que embarcou.

Já na cena de ação na virada do segundo para o terceiro ato, a transformação do personagem sugere uma aproximação emocional cada vez maior em relação a Clifford. O mergulho no escuro que, literalmente, realiza pode simbolizar um salto para o desconhecido (feito antes pelo pai ao viajar) e as consequências desse ato despertam os temores de estar se tornando o pai, algo que tanto evitava: alguém que recorre à violência para concretizar seus objetivos, sofre com a solidão, prioriza o trabalho aos laços afetivos, foge das emoções ao invés de enfrentá-las e encontra refúgio na distância do sistema solar. Tais questionamentos e paralelos surgem através de uma montagem que encadeia memórias, flashes e projeções da vida familiar de Roy às angústias de uma exaustiva viagem espacial.

Reunindo cada dimensão do conflito dramático entre pai e filho, “Ad Astra” entrelaça ficção científica e drama. Isso porque a clássica questão se há vida inteligente no espaço ou não possibilita discussões sobre solidão, conflitos geracionais e o peso dos antepassados nas gerações seguintes. Nada como a imensidão e o breu do universo para fazer o vazio ganhar novos significados e abrir mais de uma possibilidade: se a humanidade for a única espécie consciente, isso traria a inevitabilidade da solidão ou a capacidade de fortalecer os vínculos entre nós?