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“AINDA NÃO É AMANHÔ – Ainda falta

AINDA NÃO É AMANHÃ é o típico drama de realismo social que dirige suas atenções para um retrato humanizado de personagens e realidades nem sempre contempladas. Ainda que o cenário não seja favorável e os conflitos sejam de difícil solução, o filme busca representar tudo em tela da forma mais afetuosa possível e encontrar saídas gentis para impasses desafiadores. Porém, as intenções se chocam com a realização quando as figuras envolvidas na trama perdem força para uma narrativa tímida que não demonstra fascínio pelas imagens construídas.

(© Embaúba Filmes / Divulgação)

O ambiente a ser conhecido é a periferia de Recife e a protagonista a ser seguida é a jovem Janaína. Aos dezoito anos, mora com a mãe Luciana e a avó Rita. A oportunidade de sua vida vem através de um financiamento público para fazer o curso universitário de Direito. Ela é uma bolsista dedicada aos estudos até o momento em que tudo vira de cabeça para baixo ao ser surpreendida por uma gravidez indesejada. Com a chegada da notícia, precisa encontrar uma forma de lidar com a situação sem contá-la para a família e tendo a ajuda da amiga Kelly.

Na representação do mundo diegético de Janaína, a decupagem de Milena Times evoca um efeito de realismo que contextualiza e aproxima o público da jovem. A câmera registra a rotina em casa, na universidade e no lazer com Kelly e o namorado Jefferson em cenas que tanto apresentam a periferia de Recife quanto criam identificação com a protagonista. Muitas vezes, as sequências são silenciosas e giram em torno de “tempos mortos” em que aparentemente nada importante acontece, como caminhar para o ponto de ônibus e fazer as tarefas domésticas. Em parte, é uma escolha formal que descreve uma área da capital pernambucana em que as dificuldades financeiras são amenizadas pelo apoio mútuo entre indivíduos de classe baixa. Em outros instantes, torna-se uma muleta que reafirma frequentemente um estilo já reconhecido e diz pouco sobre o desenvolvimento dramático de Janaína.

Eventualmente, a diretora busca outras estratégias visuais para dar conta do conflito em torno de uma gravidez que atormenta a estudante de Direito. Como criar uma criança sem os recursos financeiros necessários? O que a mãe e a avó irão pensar dela quando descobrirem o acontecido? De que maneira poderia conciliar os estudos e a criação do filho? A angústia diante de tantas dúvidas e receios faz com que divida o segredo apenas com Kelly e Jefferson. A despeito do acolhimento recebido por ambos, cogita fazer um aborto. Nesse momento, Milena Times cria cenas esteticamente diversas do realismo até então visto: as estantes de uma biblioteca se fecham sobre Janaína, os passageiros de um ônibus (inclusive conhecidos seus) a encaram com expressão séria e a própria adolescente descansa sobre águas tranquilas. Cada cena é chamativa por si só por conta da construção fantasiosa, mas não vai além de uma surpresa deslocada e efêmera que nada acrescenta ao arco narrativo principal. Primeiramente, porque surge do clichê de ser um sonho e, além disso, por trazer símbolos óbvios de sufocamento e desejo por liberdade.

Como a abertura para o fantástico ou onírico é pontual, predomina uma abordagem realista que define sua razão de ser menos pela técnica e mais pelas sugestões do roteiro. Em vez de chamar a atenção para as escolhas formais de uma drama social independente, a decupagem explora as sutilezas do texto escrito pela cineasta para enriquecer o ambiente ao qual Janaína faz parte. A família composta somente por mulheres pode indicar a independência feminina, que se sustenta sem a dependência dos homens, e o abandono masculino, que se amplia pelo fato de que Jefferson é o único com algum destaque. A pouca diferença de idade entre as três gerações femininas sugere que a gravidez precoce de Janaína pode ter ocorrido também anteriormente. Já as narrações de programas jornalísticos ouvidas na televisão tratam de questões contemporâneas de uma região periférica, como os efeitos do aumento das tarifas de ônibus e as estatísticas do Censo em relação à população quilombola. Os únicos elementos que não são aproveitados para fazer caracterizações sutis daquela realidade são as falas de professores nas aulas de Direito, concebidos de modo convencional e sem articulação com a narrativa.

À medida que a opção pelo aborto se materializa mais fortemente, outro aspecto se revela exitoso para a representação das relações interpessoais entre muitos personagens. Janaína é cercada por pessoas que a apoiam e não cedem às tentações de julgamentos fáceis, passando pelo namorado Jefferson, vivido por Mário Victor, e pela amiga Kelly, interpretada por Bárbara Vitória. Ao contrário da imagem mais óbvia do namorado tóxico que não aceita a escolha da parceira ou se recusa a ajudá-la, Jefferson a acolhe. Porém, ele desaparece em dado momento como se não quisesse mais saber como está a namorada. Quem permanece ao lado de Janaína é Kelly, que honra a amizade ao apoiá-la nas situações mais dolorosas e preocupantes, tendo na atuação de Bárbara Vitória um suporte emocional significativo. Os afetos nutridos nesses relacionamentos dizem mais sobre o entorno da protagonista do que sobre ela em si. Mayara Santos tenta enriquecer as angústias de uma jovem em conflito com a reviravolta indesejada em sua vida e conseguiria se não fosse pela repetição empobrecida de cenas, embates e construções visuais.

Milena Times insiste em demasia em sequências construídas da forma menos interessante possível em termos estéticos. A composição dos quadros é extremamente convencional, dando a entender que a diretora perdeu o interesse pela criação de imagens que proporcionem experiências sensoriais por si mesmas sem depender apenas de linhas de diálogo ou de fatos da trama. Sendo assim, os contratempos causados pela possibilidade do aborto (falta de dinheiro para um método seguro, ameaças de golpe e riscos à saúde) se enfraquecem porque são exibidos sem criatividade. As sequências se sucedem sem tanto apelo imagético e parecem meras repetições de algo visto anteriormente. Por mais que o vínculo amoroso novamente se estabeleça através da avó, vivida por Cláudia Conceição, e sobretudo, da mãe, interpretada por Clau Barros, “Ainda não é amanhã” carece de algo mais. O filme não precisa ter um grande clímax emocional, já que opta pela moderação dos sentimentos na dramaturgia, mas carece de um auge estilístico para não parecer que percorreu um trajeto fez pouco pela protagonista.