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“AMANTES” (2020) – Paixão não é amor

* O ano da produção é 2020, porém o filme chegou aos cinemas brasileiros apenas em 2022. O ano é apontado para que o filme dirigido por Nicole Garcia não seja confundido com títulos brasileiros homônimos.

Atribui-se a Martha Medeiros o seguinte excerto: “paixão termina, amor não. Amor é aquilo que a gente deixa ocupar todos os nossos espaços, enquanto for bem-vindo, e que transferimos para o quartinho dos fundos quando não funciona mais, mas que nunca expulsamos definitivamente de casa”. O que o casal de AMANTES (2020) compartilha é paixão, não é amor. O problema é que essa diferença parece ser desconsiderada pelo próprio filme.

Lisa e Simon vivem uma vida apaixonada em Paris até que um evento inesperado faz com que eles se separem. Anos depois, em outro país, ela está casada com Léo, mas se sente abalada ao reencontrar seu amante de outrora.

(© Pandora Filmes / Divulgação)

O longa é dividido em três partes nas quais a diretora Nicole Garcia obtém êxito em diferenciar a atmosfera que permeia a trama. A primeira, que se passa em Paris, é sombria, com fotografia cinzenta, cenários fechados e com pouca luz e figurinos de tons escuros. A segunda, inclusive por se passar em região de praia, tem cores mais claras e cenários abertos (embora nem sempre diurnos e claros). A terceira retorna a uma cidade europeia fria, de modo que as personagens voltam a cenários fechados ou frios. O erro está na primeira, pois a ideia deveria ser transmitir um amor entre Simon e Lisa, ao passo que o que eles demonstram é paixão. Isso faria sentido no reencontro, mas é inviável, a partir do que é mostrado, interpretar o sentimento partilhado como amor – tanto pelas cenas românticas quanto (principalmente) pela forma como se separam.

Isso acaba gerando um outro defeito da obra, que não deixa claro o caminho que quer seguir. Por exemplo, Lisa deveria parecer vítima da situação a que chega? Outro exemplo é a cena em que Léo surge mais cedo e surpreende Lisa, sugerindo um suspense que jamais é continuado. O roteiro de Garcia e Jacques Fieschi se preocupa com cenas substancialmente injustificadas, como a que há uma pessoa na porta da casa de Simon e o primeiro diálogo de Lisa com seu pai. No primeiro caso, o propósito da cena é evidente (mostrar uma das consequências da vida levada por Simon), mas ela não faria diferença se não existisse e poderia ser substituída por outra muito melhor (uma que demonstrasse risco de vida, por exemplo). No segundo, o pai aparece claramente para justificar uma reaparição mais ao final, sem ser propriamente uma personagem. Isso sem contar dinâmicas sem sentido: por que Lisa não janta com o marido quando ele volta de viagem? Por que Léo não contratou um motorista profissional?

É verdade que, na terceira parte, “Amantes” fica mais interessante ao aproximar Simon de Léo. Parte disso é resultado do desempenho de Pierre Niney e Benoît Magimel, respectivamente, nesses papéis, que são consideravelmente melhores que Stacy Martin na pele de Lisa. Magimel não se destaca ao contracenar com Martin, mas se torna magnético nos diálogos com Niney (as cenas no carro são provavelmente as melhores do filme). No caso de Niney, há um abismo entre a reação de Simon ao reencontrar Lisa e a que ela, escondida, o observa.Torna-se difícil qualificar a produção enquanto romance porque, como mencionado, não há verdadeiramente um romance entre as personagens. Se Simon amasse Lisa, ele não justificaria o trabalho que exerce nos termos que justificou (“por que eu faço isso? Por você. Por você e por mim”). A paixão (diversamente do amor) é reforçada na separação traumática e no reencontro áspero (sem contar que as demonstrações de afeto são exclusivamente sexuais), expondo que o casal jamais nutriu um sentimento profundo como o amor. A obra também não é um suspense, dado que não provoca as emoções típicas do gênero. Mas faz sentido: se desconhece a diferença entre paixão e amor, “Amantes” nada sabe sobre emoções e sentimentos.