“AMOR, SUBLIME AMOR” (2021) – Pode ser tudo, menos isso
Se AMOR, SUBLIME AMOR, de 2021, fosse um filme original, certamente seria aclamado como uma obra fenomenal. Fato é, porém, que se trata de um remake de um dos maiores clássicos da história do cinema (clique aqui e confira a nossa crítica do filme de 1961). Não se trata meramente de comparar um com o outro, mas de partir de duas importantes premissas: a originalidade é reduzida e os tempos são outros.
Duas gangues disputam o domínio do bairro de Upper West Side, em Nova York. De um lado, os Jets (brancos), de outro, os Sharks (de descendência porto-riquenha). A rivalidade se acirra quando Tony, um dos fundadores dos Jets, se apaixona por Maria, a irmã de Bernardo, líder dos Sharks. O amor proibido promete graves consequências para os envolvidos.
Para o casal principal foram escalados Ansel Elgort, como Tony, e Rachel Zegler, como Maria. Elgort já mostrou bastante competência no romance “A culpa é das estrelas”, ratificando seu carisma e seu charme em mais um papel que demanda um perfil sedutor. Na dança seu desempenho é bom, e melhor ainda no canto (lembrando que ele tem uma carreira paralela como cantor). No caso de Zegler, o carisma é nulo, porém parcela disso pode ser atribuído ao roteiro de Tony Kushner, que, longe de ser ruim, não constrói Maria com brilho. De um lado, a insossa atriz é mecânica, por exemplo, ao roubar um beijo; de outro, a ansiedade no aguardo por um vestido é tirada de Maria, entediada (junto ao público) por um vestido já visto (por ela) e já desaprovado. Em determinado momento, parece que Tony precisa até mesmo convencê-la de que podem ficar juntos, o que sugere (para não dizer que afirma) um desnível de afeto entre os dois.
Zegler tem desempenho razoável na parte musical, mas certamente haveria atrizes melhores para o papel. No próprio elenco, ao lado dela, havia uma melhor: Ariana DeBose, a Anita, é muito superior (certamente a melhor dentre os coadjuvantes). É verdade que o perfil de Anita, mais ardente e exibida, permite uma atuação de maior destaque, porém o papel principal merecia alguém melhor que a escolhida. Destacam-se no elenco, ainda, David Alvarez (ótimo!), como Bernardo, Mike Faist, como Riff, e Josh Andrés Rivera (tímido, mas dentro da proposta), como Chino. Como uma forma de homenagear o clássico, o diretor Steven Spielberg escalou Rita Moreno para um papel especial, permitindo que a atriz agregue ao longa mesmo roubando os holofotes. Na mesma cena, ela é antipática com Riff e doce com Tony, com quem tem os melhores diálogos e um comportamento maternal.
Trata-se do primeiro musical da profícua carreira de Spielberg. Visualmente, seu filme é belo. A fotografia, ao invés de abusar da cor vermelha tal qual o clássico varia as cores para dar simbolismos diversos. Assim, na música “America”, por exemplo, prevalece, inicialmente, a cor amarela (como no vestido de Anita), relativa à riqueza do país onde os imigrantes buscam oportunidades, surgindo então o vermelho (como da camisa de Bernardo), da violência simbólica que eles acabam encontrando. Os figurinos são belíssimos, embora exista um provável pequeno deslize em um acessório de Tony: a história se passa na Nova York de 1957, época em que o estilo das gravatas ainda não era o slim como a que ele usa, que apenas entrou na moda a partir (não antes) dos anos 1960, graças a ícones do cinema e da música, como os Beatles (ou seja, é pouquíssimo provável que ele estivesse adiantando tendências).
O que Spielberg faz de melhor em seu filme é usar os cenários. Quando existe poeira no local, a poeira sobe, se espalha e as personagens se sujam sem contenção. Quando Tony e Maria estão embaixo de uma arquibancada, as luzes ficam entrecortadas e o flare, a “tara” de alguns cineastas, faz todo sentido, formando uma atmosfera romântica muito bela. A escada de incêndio, símbolo importantíssimo para “Amor, sublime amor”, deixa de ser uma metáfora para o caminho a ser percorrido para Tony e Maria realizarem o seu amor e passa a ser uma metáfora para os obstáculos que precisam enfrentar para ficarem juntos.
Sendo a versão de Spielberg um remake, a ideia proposta não foi de comparar, mas de pensar em dois pilares como se fossem premissas. O consagrado diretor, junto ao seu premiado roteirista, conseguiu ser original, acertando algumas vezes – retirou cenas sem utilidade (a que é cantada “Cool” por personagens secundários), supriu lacunas (a arma de Chino) -, errando em outras (o vestido de Maria e o museu). A coragem de não se limitar a copiar é louvável. Quanto ao outro pilar, deve ser elogiada a escolha de um elenco verdadeiramente latino (no original, dentre os principais, apenas Rita Moreno o era), assim como a abordagem de assuntos como xenofobia, imigração, diferenças culturais e transsexualidade. Não obstante, não se pode afirmar que isso é uma ousadia em 2021, mas apenas em 1961. Na verdade, é triste que seja preciso elogiar esse tipo de escolha em 2021. Disso se conclui que o longa de Spielberg pode ser tudo (e é bom, inclusive!), mas está distante da originalidade e da ousadia cinematográficas do “Amor, sublime amor” dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.