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“AQUAMAN” – O que tem de melhor

Fazendo o básico com competência, AQUAMAN é um filme bastante satisfatório. Encarado isoladamente, isto é, sem conexão com o universo expandido da DC Comics, que começou com “O Homem de Aço”, mas que agora foi praticamente esquecido, a película é uma história de origem em um filme de (muita) ação.

Cartaz de “Aquaman

No longa, o protagonista é o filho de um humano com uma atlante, mas que se mantém distante da sua origem meta-humana, convivendo com o povo da superfície e eventualmente usando seus poderes para salvar pessoas em perigo. Quando o povo dos oceanos ameaça começar uma guerra contra a superfície, Arthur Curry precisa enfrentar seu irmão Orm para assumir o trono de Atlântida e trazer paz aos envolvidos.

Com um subtexto de consciência ecológica, o roteiro, escrito por David Leslie Johnson-McGoldrick e Will Beall (tendo sido creditados também outros nomes), não cria reviravoltas inverossímeis nem tenta inovar. A preocupação do texto era explicar a mitologia que cerca o super-herói (expressões como “Mestre dos Oceanos” e “Tridente Sagrado” realmente precisavam ser explicadas, já que cumprem papel central na trama) ao mesmo tempo em que concede a ele uma narrativa de contorno clichê a partir da “jornada do herói”. Assim, elementos formulaicos abundam: trauma familiar, triângulo amoroso, vilão vingativo, resistência ao chamado e prevalência do senso heroico, entre outros. A narração voice over no prólogo concede um tom épico coerente com a narrativa, embora os antecedentes sejam um pouco sucintos (servindo mais como informação do que com fins dramáticos). Por outro lado, o resultado final é exageradamente longo, parecendo não um filme de ação, mas um jogo com fases intermináveis.

Mas não é o roteiro o que “Aquaman” tem de melhor.

No elenco, a versão que Jason Momoa dá ao protagonista é aceitável, principalmente considerando as suas limitações interpretativas. Nas cenas de ação ele vai bem, porém deixa muito a desejar quando o filme demanda timing cômico, o que ele não tem – na verdade, a imensa maioria das (felizmente poucas) piadas não funciona. Arthur não é uma personagem com muitas camadas, é apenas alguém com poderes e que se recusa a ser herói (larga os vilões no perigo que causaram e até mesmo foge de uma luta). Se a contraposição entre os termos “herói” e “rei” é uma ideia ultrapassada, ao menos ele não aceita nenhum dos rótulos (a rigor, sequer ao final).

Cartaz de “Aquaman” (2)

Como David Kane, Yahya Abdul-Mateen II é fraquíssimo, com expressões exageradas e caricatas. Contudo, como Arraia Negra, o vilão é ótimo tanto do ponto de vista estético (o visual, além de muitíssimo bem elaborado, é fiel aos quadrinhos) quanto no que se refere à sua motivação (ou seja, o motivo pelo qual ele nutre ódio pelo Aquaman é convincente). Patrick Wilson vive o Rei Orm, personagem não tão bem desenvolvida (ainda que também seja convincente a sua motivação), mas que constitui um bom vilão graças à qualidade do ator.

A simples presença de Nicole Kidman no cast escancara a limitação dos demais artistas: quando ela está em cena, o abismo é perceptível, pois ela eleva muito a qualidade dramática do momento. Sua personagem, a Rainha Atlanna (mãe de Arthur), é uma das melhores tanto pelo conflito interno (ficar com sua família na superfície ou retornar à insatisfação atlante?) quanto pelo empoderamento inicial (ao protagonizar uma ótima cena de luta). Seu simples olhar de estranheza ao mundo da superfície é muito mais eloquente que, por exemplo, qualquer fala de Mera, vivida por Amber Heard. Não que esta seja má atriz, mas empalidece, como os demais, quando comparada com Kidman – embora, no caso de Heard, o romance seja deveras artificial e episodicamente piegas (como na sequência na Sicília).

Mas também não são as atuações o que “Aquaman” tem de melhor.

A direção de James Wan é muito boa, especialmente nas cenas de luta (dentro e fora do oceano). A primeira delas é um plano longo, enquanto as demais fazem cortes, porém com bastantes movimentações com a própria câmera, imprimindo adrenalina ao momento e, pontualmente, ampliando a tensão com slow motion. Os ângulos de filmagem saem da obviedade, com plongées e contreplongées inusitados e vários giros – todavia, há repetição cansativa de spinning shots. O importante é que, nas diversas cenas de ação, tudo é bem visto pelo espectador, que não fica perdido em meio a uma poluição visual. A montagem tem raccords excelentes (como aquele no farol) e usa bem de paralelismo nos flashbacks. Mesmo óbvia, a trilha musical instrumental funciona bem para evocar heroísmo, ao contrário das músicas cantadas, que não são inseridas organicamente e estragam as cenas em que surgem.

O que “Aquaman” tem de melhor é o seu visual.

Ficando a cargo de Bill Brzeski, o design de produção do filme é fantástico, o que era nuclear para a proposta. Na mitologia, surgem animais místicos, normalmente domados pelos atlantes (como cavalos-marinhos gigantes e tubarões enormes, dentre outros mais monstruosos). O deslumbrante visual de Atlântida lembra muito a arquitetura romana (e há uma referência bem clara aos gladiadores), com a adição de cores em neon – prevalecendo na paleta o azul e o verde, como não poderia deixar de ser. Os figurinos de Kym Barrett são impecáveis: por exemplo, a Rainha Atlanna usa um vestuário claro e brilhante representando magnanimidade; a roupa de Mera parece ter escamas, com a cor verde se contrapondo ao seu cabelo ruivo para indicar sua força (em sentido amplo); e também não falta o uniforme brega do próprio Aquaman, cujo simbolismo é essencial na trama. O CGI é formidável e compatível com a proposta até mesmo nas sequências de pirotecnia. Se não é possível esperar um roteiro primoroso ou atuações fascinantes, o visual de “Aquaman” não decepciona.