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“BAC NORD: SOB PRESSÃO” – Atuação policial relativamente heterodoxa

Se é perigoso enfrentar o sistema estando fora dele, não é possível afirmar que dentro dele não há perigo algum. De alguma forma relativamente heterodoxa, os policiais de BAC NORD: SOB PRESSÃO querem superar o engessamento do órgão no qual trabalham para melhorar a vida da população. Até que ponto a relativa heterodoxia é aceitável?

Os índices de criminalidade em Marseille, na França, estão alcançando patamares altíssimos. Greg, Yass e Antoine são amigos e colegas policiais que procuram uma chance de fazer a diferença e desmantelar o tráfico na área onde trabalham. Para isso, fazem um acordo com Amel, uma moradora da região que pode fornecer informações valiosas, mas apenas mediante um alto preço.

(© Netflix / Divulgação)

O roteiro de Audrey Diwan e Cédric Jimenez dá um mau sinal nos minutos iniciais, com seu prólogo in media res que de nada serve além de minar uma possível surpresa, sem nenhum benefício narrativo. Por outro lado, a aposta na dinâmica do trio principal é certeira, tornando-os, à sua maneira, carismáticos. Mesmo propenso à explosão (basta ver sua conduta nos eventos cronologicamente posteriores ao prólogo), Greg (Gilles Lellouche) atua como líder do grupo, porém enxerga em seu trabalho um fardo, o que se denota da sua vontade romântica em viajar ao espaço sideral (como uma espécie de fuga). Por sua vez, Antoine e Yass parecem antônimos: aquele, vivido por François Civil, é um jovem inconsequente (como na cena na Square des Oliviers) e mais confortável em disfarces; este, interpretado por Karim Leklou, é o que está entrando em uma nova etapa da vida e passa a agir muitas vezes tendo em mente sua nova condição.

O trio tem uma interação boa o suficiente para ofuscar quaisquer coadjuvantes de relevo, sobretudo Nora (Adèle Exarchopoulos), Amel (Kenza Fortas) e Jérôme (Cyril Lecomte). A primeira tem pouco tempo de tela, é verdade, mas encanta apenas ao contracenar com Leklou, principalmente quando relata ao marido Yass a conversa com seus colegas – a cena da conversa com eles, por sinal, é bastante morna. A segunda aparece apenas em diálogos com Civil, tendo perfil semelhante, mas sem brilho (boa parte em razão dos escassos minutos em cena). O terceiro deveria ter aparecido um pouco mais para ter uma personalidade para além da obviedade do papel.

É em um diálogo entre Greg e Jérôme que a ideia principal da narrativa é exposta: o trabalho de rua da polícia se tornou tão inútil que os moradores, submetidos às gangues locais, já nem esperam a ajuda das autoridades. Suas intenções (de, resumidamente, “fazer a diferença”) são elogiáveis, porém sua conduta deixa a desejar. Com um apurado senso de realidade, o filme não se limita à brutalidade dos autores do crime, mas deixa claro que os repressores do crime também têm conduta questionável. Para além de agredir os que são pegos em flagrante (ou outros que consideram suspeitos), sentem-se acima da lei e, por exemplo, dirigem alucinadamente quando prendem em flagrante um adolescente. É nessa lógica excessivamente livre (liberdade até mesmo em relação às proibições da lei) que aceitam o preço da informante para agir, assumindo, em uma ética consequencialista, uma conduta completamente fora da lei. Perto do que fazem enquanto a trama se desenvolve, a aposta em um assalto não chega sequer ao status de censurável.

Com intenso emprego de câmera na mão (como nas corridas de Antoine), o diretor Cédric Jimenez dá um ritmo acelerado à sua obra, o que é acentuado com a montagem veloz. Esteticamente, tudo é bem convincente: os cenários dos bairros periféricos são reais (pichações, plantações de maconha, paredes quebradas e sujas, homens mascarados etc.) e a caracterização das personagens é coerente (Antoine, por exemplo, além do coque no cabelo pintado de loiro, está sempre de regata e bermuda). Entretanto, não há nada criativo nesse quesito – no máximo, no terceiro ato, quando a intensificação da cor azul (paredes e peças de roupas em especial) fornece a ideia da repressão sentida pelas personagens principais.

É paradoxal que o roteiro de “Bac Nord: sob pressão” queira explorar a relativa heterodoxia das personagens sendo na mise en scène consideravelmente ortodoxo (o que não é ruim, mas paradoxal). Não há ousadia, apenas três personagens que interpretam seus próprios atos criminosos como lícitos porque voltados à supressão da criminalidade. Isso não é plenamente original, é verdade, mas a proposta da informante e o modo de pagá-la não são comuns, e é isso que consegue estimular alguma reflexão sobre a atuação policial.