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“BATEM À PORTA” – Quem nasceu para ser Shyamalan nunca será Hitchcock

* Aviso: esta crítica pode conter revelações do encaminhamento da trama do filme.

A ideia da qual parte BATEM À PORTA não é ruim e, bem explorada, renderia um ótimo filme. Quando o diretor é Shyamalan, porém, nem sempre o resultado tem a garantia de qualidade (sobretudo no terceiro ato, e aqui não é diferente). A despeito da pretensão platônica (e risível) do cineasta em ser um Hitchcock contemporâneo, este é um de seus filmes mais fracos.

Wen e seus pais estão em uma casa em um lago para passar as férias. Os planos de alguns dias tranquilos no ambiente bucólico são exterminados com a chegada de quatro estranhos armados que exigem à família escolher entre preservar seus integrantes e testemunhar o apocalipse ou sacrificar um deles e salvar a humanidade.

(© UNIVERSAL STUDIOS / Divulgação)

Paul Tremblay é o autor do livro que deu origem ao roteiro do longa, escrito pelo diretor M. Night Shyamalan, Steve Desmond e Michael Sherman. Desmond e Sherman são bem inexperientes (é seu primeiro script de longa), o que talvez explique as diversas fragilidades do texto. Não se trata de um roteiro character driven, dado que as personagens são bastante superficiais. Em termos narratológicos, elas são arquétipos (o herói, o mentor e o guardião do limiar) pobres limitados a pouquíssimas características – aliás, elas chegam a ser verbalmente resumidas a esses poucos atributos ao final. A dinâmica de Andrew (Ben Aldridge) e Eric (Jonathan Groff) é previsível e repetitiva, qualidade que é uma constante do roteiro. Os diálogos, além de ruins (ainda que seja destinada a uma criança, a fala que compara um lábio com cicatriz a um “coração partido” é patética), insistem no mesmo discurso da decisão da família que não sai do lugar (ou um membro morre, ou ocorre o apocalipse) e são, ainda, bastante superficiais.

Isso tudo significa que se trata de um roteiro plot driven, mas também não é esse o caso, pois os cem minutos de filme são um giro de trezentos e sessenta graus – ou seja, a narrativa não sai do lugar. Qualquer pergunta que se possa fazer não tem resposta: por que foram aqueles quatro os escolhidos? Porque sim (por sinal, o que uniu aquelas pessoas específicas?). Por que havia momentos cronometrados para os acontecimentos? Porque sim. Por que as mortes eram necessárias, se o apocalipse era iminente? Porque sim (não era mais fácil aguardar o inevitável?). Simplesmente não existem explicações, o que dificulta um engajamento na proposta, já que a ânsia por progressão nunca é satisfeita. Cabe então ao público unir as peças e interpretar o que a obra pretende dizer. Em uma primeira camada, o filme constitui uma denúncia à cegueira daqueles que fazem parte de seitas cuja crença é uma ameaça aos demais. Mais profundamente, percebe-se uma crítica à homofobia, principalmente em relação àqueles que acreditam que a homossexualidade levará a humanidade à danação eterna (razão pela qual, para eles, homossexuais deveriam ser extirpados). Da forma titubeante como o filme conduz seu raciocínio, porém, a ideia governante é insatisfatória.

Não se desconsidera a habilidade técnica de Shyamalan na direção, como no uso do não verbal (os créditos, com fontes serifadas, imagem granulada, música sombria e desenhos conexos à narrativa, criam uma atmosfera medievalesca e inequivocamente lúgubre) e a filmagem que conduz o espectador a atentar ao que ele quer que o espectador atente. Por outro lado, sua mise en scène deixa a desejar no uso tímido de um cenário com bom potencial (a casa é escolhida convenientemente para impedir sinal de celular, do contrário, o encontro poderia ser em qualquer lugar), que pouco aparece, e a montagem não raras vezes surge de maneira anticlimática ao colocar flashbacks em momentos inoportunos – mais do que isso, os flashbacks são tão incompetentes que em nada agregam ao longa. Os enquadramentos em superclose, que não são novidade na filmografia do cineasta, dão espaço para as boas atuações (destacando-se, além dos mencionados, Dave Bautista e Rupert Grint, mesmo que o segundo tenha pouco tempo de tela), mas faz com que os cenários sejam subutilizados.

Shyamalan pode querer ser Hitchcock, mas nunca o será. Em comum existe o apreço pelo suspense e o ego que os coloca fisicamente em suas obras, mas não a habilidade. Em “Batem à porta”, Shyamalan consegue criar a tensão, por exemplo, no diálogo em que o quarteto está fora da casa, com a música elevando o suspense à medida que portas e janelas são fechadas. Fica claro, todavia, que o cineasta não consegue sustentar a tensão criada. Por vezes, isso é resultado das próprias características marcantes do filme, que é repetitivo e altamente previsível (a cena de Wen na floresta procurada por Leonard e a do banheiro são de uma previsibilidade entediante) – estranhamente, atributos que não são do feitio de Shyamalan. Não era necessário ter um plot twist, mas não precisava ser tão óbvio. Isso tudo não seria problema, ainda, se o diretor soubesse lidar com tais características. Da primeira vez, o alongamento das cenas é funcional para gerar reações (como quando Redmond coloca a máscara), porém a recorrência dos acontecimentos, nos mesmos moldes, torna o filme monótono – algo que Hitchcock jamais foi.